quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Simon, Ernaux



1) O nome de Claude Simon, para mim, sempre estará ligado ao de W. G. Sebald. Antes de ler os livros de Sebald, já tinha ouvido falar de Simon, sempre muito vagamente, por conta das edições brasileiras de seus livros (vistas tantas vezes em sebos) e também por conta do Nobel de Literatura recebido em 1985. Reencontro Simon por outros olhos e outro viés no livro de Didier Eribon, A sociedade como veredito, no qual ele aparece como um contraponto burguês às reflexões sociológicas mobilizadas a partir das obras de Annie Ernaux e Martine Sonnet, entre muitos outros (nas casas das classes abastadas estão as heranças, os documentos, os arquivos, as memórias; nas casas das classes trabalhadoras, não há nada).

2) Eribon cita algo que eu desconhecia completamente: um texto no qual Ernaux ataca Simon e sua visão de mundo, sua literatura, sua recusa das condições materiais de produção de vidas e textos, seu antagonismo (o de Simon) com relação a Sartre; para Ernaux, escreve Eribon, Simon representa um mundo etéreo e apartado das vicissitudes das pessoas comuns (como Sebald se posiciona entre esses dois extremos, entre Ernaux e Simon ou, ao menos, diante do Simon reconstruído pela visão de Ernaux? O Simon de Sebald é, sobretudo, o Simon de Le Jardin des Plantes, o Simon que reconfigura a forma romanesca para dar conta dos atravessamentos entre a História e a subjetividade).

3) Não compreendo esse tipo de literatura, escreve Ernaux sobre Simon, cita Eribon, que para mim é quase insuportável. Ernaux denuncia em Simon um desejo de não ser afetado ou perturbado (e o foco dela, informa Eribon, é precisamente o texto de Simon feito depois do Nobel de Literatura, em resposta a ele: o livro que Simon intitula O convite, narrando a viagem que realiza à URSS depois do prêmio). O mais interessante no movimento de Eribon é que, no mesmo gesto em que resgata a discordância de Ernaux com relação a Simon, reafirma sua própria (de Eribon) fascinação com essa mesma obra de Simon (de quem Eribon destaca precisamente o "olhar sociológico", sua capacidade de radiografar ambientes, gestos e pertencimentos).

(a imagem acima certamente corrobora tudo aquilo que tanto Eribon quanto Ernaux falam a respeito das heranças, dos laços, das permanências burguesas e do substancial lastro - econômico, afetivo, simbólico - levado adiante e aproveitado por escritores como Claude Simon: trata-se de uma dedicatória feita por Simon ao então presidente (1987) François Mitterrand)

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