quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Transatlântico


1) "É divertido notar que Borges e Gombrowicz se assemelham na celebração comum da grandeza do provincianismo que obriga a construir para si um universo próprio e uma língua. Ele ri de si mesmo quando se expressa sobre Transatlântico, texto para o qual escolheu um registro de língua quase intraduzível e uma temática que ataca diretamente os valores nacionais de seus raros leitores potenciais. Quando qualifica a produção dos grandes autores locais de 'literatura nacional', ele mostra o pouco interesse que lhes dedica. Claro, terá uma relação quase fraterna com Ernesto Sábato e uma real admiração por Virgilio Piñera, um escritor cubano que elege Buenos Aires para estadia, em diversas ocasiões, entre 1946 e 1958, e que tão cedo soube perceber o valor dos textos de seu amigo polonês.

2) "Mas, em geral, não entretém reais relações com eventuais contraditores ou cúmplices. Compreende-se que não busque a companhia de um Roger Caillois, exilado como ele em Buenos Aires durante a guerra e símbolo dessa cultura parisiense tão apreciada pelas elites locaias, mas que, em contrapartida, reconheça como irmãos de sangue Macedonio Fernández, Juan Carlos Onetti (o formidável escritor uruguaio vive na Argentina de 1945 a 1955) e, sobretudo, Roberto Arlt. Macedonio, como simplesmente é chamado pelos amigos, é um escritor excêntrico que marcou Borges. Poeta e romancista, será reconhecido somente após sua morte, em boa parte graças ao trabalho de seu filho Adolfo de Obieta, amigo de Gombrowicz.

3) "O escritor exilado parece ter apreendido o espírito de Macedonio e sabe quem ele é. Diz, por exemplo, o excêntrico argentino: 'A vida é o terror de um sonho'. Como nosso polonês, Macedonio engaja-se inteiramente em uma aventura extrema e sem concessões. Eles são tomados pela mesma febre, impulsionados pelas mesmas forças, mas não podem se cruzar: avançam, cada um, por um caminho solitário, obscuro e ainda não explorado" (Philippe Ollé-Laprune, Américas, um sonho de escritores, trad. Leila Costa, Estação Liberdade, 2022, p. 102-103).

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