quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Toca o telefone


Um ponto decisivo nas conversas de Joseph Brodsky com Solomon Volkov diz respeito à troca de idiomas: a passagem que Brodsky faz do russo para o inglês, a atuação dessa passagem sobre a diferença entre prosa e poesia etc (Brodsky faz do inglês a língua na qual escreve seus ensaios, vide a coletânea Less than one). Quando Volkov pergunta a Brodsky como é viver em um país estrangeiro e continuar escrevendo na língua materna, ele responde que "não sente nada de diferente", citando a frase de Thomas Mann (a quem Susan Sontag visita em 28 de dezembro de 1949, depois escrevendo um ensaio a respeito, Pilgrimage. Tea with Thomas Mann), que teria dito, quando se mudou para os Estados Unidos, "A literatura alemã está onde quer que eu esteja" (p. 156).

Para escrever versos, diz Brodsky, é preciso "ensopar-se" continuamente na linguagem, "escutar o tempo todo", no mercado, no ônibus, no bar, "ou não escutá-la de forma alguma" (a típica construção oito ou oitenta de Brodsky). A questão de viver em Nova York, continua Brodsky, "é que você fica em uma situação meio-a-meio", às vezes o telefone toca e é como "tudo ainda estivesse acontecendo", mas, ao mesmo tempo, "nada está acontecendo" (falando de suas visitas ao apartamento de Brodsky na introdução do livro, Volkov diz que o telefone tocava "incessantly" (Brodsky dizia: "as if it had been invented yesterday"), com gente pedindo "all kinds of favors"). Aparecem pessoas falando russo em Nova York, diz Brodsky, mas com algumas delas "eu sequer falaria caso estivesse ainda na Rússia": "essencialmente, o que importa é aquilo que a pessoa diz, não tanto o idioma que ela usa" (p. 157).

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"Vladimir Nabokov encontrou em Cambridge uma edição de segunda mão dos quatro volumes da obra Explanatory Dictionary of the Living Great Russian Language, de Vladimir Dahl, e decidiu ler dez páginas por dia, uma vez que, longe do país natal, 'tornou-se positivamente mórbido meu medo de perder ou corromper por influência estrangeira a única coisa que consegui trazer da Rússia - sua língua'" (Alberto Manguel, Encaixotando minha biblioteca, trad. Jorio Dauster, Cia das Letras, 2021, p. 125-126).


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