terça-feira, 10 de novembro de 2020

Charbovari


Em seu livro Os nomes da história, Jacques Rancière faz uma reflexão acerca da ambiguidade inerente a todo discurso que se quer "disciplinar" ou "instituído", enfatizando que tal ambiguidade é sempre mais evidente nos "nomes" mobilizados e assinalados (na linha daquilo que comenta Foucault em A ordem do discurso acerca do "marxismo" e do "freudismo", por exemplo). 

É preciso aprender com a instabilidade do discurso literário, escreve Rancière; aprender, por exemplo, com Virginia Woolf a fazer a narrativa nascer "entre os atos" da promessa de uma frase saída do mesmo silêncio que os "sujeitos da era democrática e suas expectativas de amanhãs" ("Sim, é claro, se fizer tempo bom", diz a sra. Ramsay, "Mas vocês terão de acordar ao amanhecer", cita Rancière de To the Lighthouse); ou ainda, ver como Flaubert multiplica a história de vidas mutiladas a partir "do não sentido de um nome estropiado" (ou seja, "Charbovari", o modo como o professor escuta o nome de Charles Bovary no início do romance); ou ainda, seguir em James Joyce "as peregrinações do novo Ulisses", insular, urbano e "traído pela esposa", "andando em círculos pela cidade de colonizado, partido pela multiplicidade de línguas, destruindo, um pelo outro, o livro de vida cristão e o livro de vida pagão" (p. 153).

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