"A literatura nada promete a não ser que por mais duramente que tentemos alcançar seu horizonte mais distante, vamos fracassar. Mas apesar de nenhuma leitura ser jamais completada, e nenhuma página ser jamais a última, voltar a um texto com o qual estamos familiarizados, seja relendo ou rememorando, nos permite uma navegação mais ampla, e nosso 'louco voo', como Dante descreve a busca de Ulisses, nos levará sempre um pouco além no significado.
E como descobre Ulisses, seja qual for a compreensão a que finalmente cheguemos, ela não será a que esperávamos. Séculos de palavras transformam a antiga chama de Virgílio numa floresta de significados, nenhum perdido, nenhum definitivo, e pode ser que quando as palavras retornem a nós em nosso momento de necessidade, elas realmente nos salvem, mas apenas provisoriamente. Palavras sempre encerram outro significado que nos escapa.
Franz Kafka imaginou em Na colônia penal uma máquina que pune prisioneiros inscrevendo em seus corpos uma misteriosa escrita. Apenas quando a agulha já penetrou profundamente na carne os prisioneiros são capazes de perceber a natureza de sua transgressão e o motivo de sua punição, um instante antes do último."
(Alberto Manguel, Uma história natural da curiosidade, trad. Paulo Geiger, Cia das Letras, 2016, p. 400)
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