sábado, 30 de março de 2019

Hegel, humorista

"ZIFFEL

Hegel teve talento para se tornar um dos maiores humoristas da história, comparável apenas a Sócrates, que usava método semelhante. Mas, pelo visto, teve má sorte; foi empregado na Prússia e serviu ao Estado. Até onde sei, tinha um cacoete inato que o acompanhou até a morte. Inconscientemente, piscava o olho sem parar, como se fosse um coreico. Seu humor era tal que não podia pensar na ordem sem pensar na desordem. Estava certo de que a máxima desordem era vizinha imediata da máxima ordem. Foi bem longe, a ponto de dizer que ambas ocupavam o mesmo espaço! Compreendeu o Estado como aquilo que se encena ali onde surgem os antagonismos mais agudos entre as classes, de maneira que, por assim dizer, a harmonia do Estado vive à custa da desarmonia entre as classes. Hegel contestou o princípio de que um é igual a um, não apenas porque tudo aquilo que existe, irresistível e incansavelmente, se converte em outra coisa, inclusive em seu contrário, mas também porque nada é absolutamente idêntico a si mesmo. (...)

Li seu livro A grande lógica numa época em que padeci uma crise reumática e não podia me mover. É um dos maiores livros de humor da literatura universal. Trata do modo de vida dos conceitos, essas existências escorregadias, instáveis e irresponsáveis; mostra como se ofendem mutuamente e pelejam de faca na mão, sentando-se juntas, logo depois, para cear, como se nada houvesse ocorrido"

(Brecht, Conversas de refugiados, trad. Tercio Redondo, Ed. 34, 2017, p. 92-94).

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