1) No capítulo 11 de Mimesis, Auerbach comenta a obra de Rabelais, alcançando quase ao final do texto um ponto de comparação com Montaigne (que será o foco do capítulo seguinte). Entre outros elementos envolvidos, o processo interpretativo de Auerbach abarca uma reflexão sobre o que acontece no período que vai de Dante a Rabelais/Montaigne - ou seja, o que acontece do ponto no qual a cultura medieval alcança seu clímax (a ligação estreita entre a vida terrenal e a vida metafísica, a organização metódica dos níveis, intensidades e qualidades dos sentidos, sentimentos e responsabilidades) até o ponto no qual essa cultura ainda é utilizada, mas de forma ambivalente, caótica e desregrada (a partir daquilo que Auerbach chama de realismo criatural).
2) Montaigne, 1533-1592; Rabelais, 1494-1553... No capítulo 10 de Mimesis, sobre Antoine de la Sale (1386-1462), Auerbach faz um juízo muito direto acerca das diferenças das literaturas da França e da Itália - a última já mostrando alto nível técnico-expressivo com Dante (1265-1321) e Boccaccio (1313-1375), enquanto a primeira ainda guarda certo ar medieval engessado. A própria ênfase que Auerbach dá a Rabelais e Montaigne já indica que ocorre uma mudança, tanto histórica quanto estilística, embora Auerbach não dê detalhes acerca dessa mudança de ênfase - no capítulo 13 de Mimesis, dedicado a Montaigne, Auerbach fala apenas que a Itália do período se dedicava cada vez mais a um retorno ao ideal clássico de separação dos estilos (algo completamente avesso a Rabelais/Montaigne e ao projeto do próprio Auerbach).
3) Bruno Migliorini, em sua Storia della lingua italiana (Sansoni, Firenze, 1971, p. 240), comenta esse período italiano vagamente referido por Auerbach falando de uma "crise quattrocentesca". A deriva em direção à língua vulgar é interrompida e surge um interesse renovado pelo latim clássico, com uma expansão inaudita da filologia a partir do resgate, leitura, interpretação e tradução de uma série de textos antigos (Coluccio Salutati (1332-1406) descobre as cartas de Cícero; Poggio Bracciolini (1380-1459) descobre Quintiliano e Lucrécio; é também a época de atuação de Lorenzo Valla).
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