quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Morte do inquisidor

1) Li recentemente mais um dos tantos livrinhos de Leonardo Sciascia - Morte dell'Inquisitore, de 1964. Mais um dos livrinho híbridos de Sciascia, "saggio romanzato", entre a crônica, o conto e a historiografia. Em muitos desses seus livrinhos, Sciascia parece fazer sempre a mesma coisa, sempre do mesmo jeito, mas é algo que funciona sempre. O narrador tem um estilo conciso e ao mesmo tempo opinativo, busca mostrar uma série de perspectivas de um mesmo evento ou biografia, e ainda assim encontra espaço para se manifestar, para estabelecer sua posição.
2) Em Morte dell'Inquisitore, Sciascia usa a história de Diego La Matina para abordar a Inquisição em sua atuação na Sicília. La Matina matou seu inquisidor com um golpe na cabeça, desferido com o auxílio de seus próprios grilhões. Sciascia, em sua narração, entra e sai de arquivos, documentos, ofícios e diários de personagens os mais diversos, desde o século XVII até o XX (no primeiro caso, personagens históricos envolvidos na dominação espanhola da Sicília; no segundo caso, historiadores da Inquisição de variadas nacionalidades - na nota que encerra o livro, Sciascia escreve: "já devo ter lido tudo que há para ler sobre a Inquisição na Sicília").
3) A partir de um destino individual muito preciso, de um acontecimento mínimo na vida já mínima de uma das tantas vítimas da Inquisição - algo que Carlo Ginzburg começa a fazer mais ou menos nos mesmos anos (seu primeiro livro, I benandanti, é de 1966), Sciascia apresenta um ensaio sobre a intolerância humana e também sua capacidade de resistência; um ensaio sobre os limites tanto do fanatismo quanto do desejo de liberdade. Sciascia sempre cita os iluministas em seus livros - Voltaire, Rousseau, D'Alembert -, um exercício de resgate que Sciascia opera também no nível das ideias e dos temas que escolhe (uma postura que vem de Montaigne, outro que é citado com frequência por Sciascia, seu continuador tanto na esfera de influência imediata do ensaio, saggio romanzato, mas também por conta de seu fascínio pelos extremos do humano, as situações de exceção - tanto aqueles de brutalidade quanto de elevação espiritual). 

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