sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Tristeza, piedade

1) Qualquer recorte de fragmentos de textos/diários/cartas/etc de 1933 a 1945 (seja aquele que Calasso apresenta em seu último livro ou não) se encerra num ponto crítico, que é, ao mesmo tempo, de resolução e intensificação. Calasso cita as cartas de Céline, especialmente aquelas da década de 1930, seu melhor momento (alinhado à direita, Céline prosperava também com os direitos autorais de seus romances - e também com a venda de seus panfletos antissemitas, que chegava às dezenas de milhares). Com o fim da guerra, contudo, a vida de Céline muda drasticamente: ele precisa fugir da execução certa que esperava boa parte dos colaboracionistas. Seus romances do pós-guerra lidam com essa experiência, entre eles, e especialmente, De Castelo em Castelo, de 1957.
2) O estilo de Céline é o mesmo dos romances da década de 1930, mas ele parece intensificado pelo caráter absurdo da fuga e da estadia de quase dois mil colaboracionistas franceses em um castelo na Alemanha, o castelo de Sigmaringen, de novembro de 44 a março de 45. A situação é absolutamente precária (Céline fala inúmeras vezes da latrina que transborda e inunda seu andar), minuciosamente localizada no tempo e no espaço e, ao mesmo tempo, tão representativa da vida política e suas dinâmicas desde os gregos (situação contra reação, expurgo dos vencidos, etc). 
3) Como o documentário de Marcel Ophüls, Le Chagrin et la Pitié, ou as palestras de Sebald reunidas em Guerra aérea e literatura (e ainda assim tão diferentes entre si), o romance de Céline dá conta dessa zona de sombra que liga e separa a vitória da derrota. Céline comenta como o Castelo balança com as bombas, por exemplo:

...covil-berço da mais importante criação dos mais rematados lobos rapaces da Europa! era a grande pilhéria desse Santuário! e como balançava, nem lhe conto, sob as esquadrilhas que não paravam, milhares e milhares de "fortalezas voadoras", para Dresden, Munique, Augsburgo... de dia, de noite... que todos os pequenos vitrais se espatifavam, pulavam para o rio!... você vai ver!..." (Louis-Ferdinand Céline, De Castelo em Castelo, trad. Rosa Freire d'Aguiar, Cia das Letras, 2004, p. 153).
  

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