Não se pode propriamente falar de um mundo homérico ou tolstoiano a propósito da Ilíada e de Guerra e Paz, no sentido em que falamos de um mundo dantesco, balzaquiano, dostoievskiano. O universo de Tolstói, o de Homero, é o nosso em cada instante. Não entramos nele, estamos nele. "Tudo dizer é-me difícil, não sou um Deus". Estas modestas palavras de Homero, Tolstói poderia tê-las subscrito. Nem um nem outro precisa de o dizer para que o Todo se revele. Só eles (Shakespeare por vezes) têm estas pausas planetárias acima do acontecimento onde a história surge na sua perpétua fuga para além dos objetivos humanos, no seu inacabamento criador.
(Rachel Bespaloff, Sobre a Ilíada, trad. Filipe Jarro, Lisboa: Cotovia, 2005, p. 45).
Para Tolstói, Napoleão não representa apenas o invasor da sua pátria, mas o rival de Deus; encarna o mito da grande personalidade que impede o regresso ao Ser indestrutível das existências específicas. E Koutouzov também não representa somente o herói libertador da terra natal, mas mais ainda o anti-herói, intérprete modesto de uma necessidade histórica cujo sentido e alcance confundem a razão humana.
Em qualquer caso o estilo da epopeia, quando atinge a grandeza que tem em Homero e em Tolstói, traz consigo a calma do olhar, a capacidade de sobrevoo, a superação das perspectivas mesquinhas, que excluem o arbitrário.
(p. 51-52)
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