Simon começou a se instalar no campo. Suas malas chegaram depois, pelo correio, ao que ele, então, desempacotou suas coisas. Já não tinha muitas - dois ou três livros velhos que não quisera vender ou dar, roupa de baixo, um terno preto e um amontoado de miudezas, como barbantes, retalhos de seda, gravatas, cadarços, tocos de vela, botões e pedaços de linha. (Robert Walser, Os irmãos Tanner, trad. Sergio Tellaroli, Cia das Letras, 2017, p. 118).
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Naturalmente ninguém se ocuparia de estudos como esses se de fato não existisse um ser que se chama Odradek. À primeira vista ele tem o aspecto de um carretel de linha achatado e em forma de estrela, e com efeito parece também revestido de fios; de qualquer modo devem ser só pedaços de linha rebentados, velhos, atados uns ao outros, além de emaranhados e de tipo e cor os mais diversos. Não é contudo apenas um carretel, pois do centro da estrela sai uma varetinha e nela se encaixa depois uma outra, em ângulo reto. (Kafka, Um médico rural, trad. Modesto Carone, Cia das Letras, 1999, p. 43).
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Robinson Crusoe, naufragado na praia, procura em torno os companheiros de navio. Mas não há nenhum. “Nunca mais os vi, nem sinal deles”, diz, “a não ser três chapéus, um boné e dois sapatos que não eram parceiros.” Dois sapatos, não parceiros: não sendo parceiros, os sapatos deixaram de ser calçados, passaram a ser prova da morte, arrancados dos pés dos afogados pelos mares espumosos, e atirados à praia. Nenhuma grande palavra, nenhum desespero, apenas chapéus, boné, sapatos. (Coetzee, Elizabeth Costello, trad. José Rubens Siqueira, Cia das Letras, 2004, p. 10-11).
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