terça-feira, 18 de julho de 2017

O nascimento da tragédia

1) Aos 25 anos de idade, em 1870, Nietzsche dá seu curso sobre Sófocles - Introdução à tragédia de Sófocles. É uma espécie de preparação para sua primeira publicação, O nascimento da tragédia. Em paralelo ao curso sobre Sófocles, Nietzsche também oferecia outro sobre Os trabalhos e os dias, de Hesíodo. Pouco depois do término dos cursos, Nietzsche engaja-se voluntariamente na Guerra Franco-Prussiana como enfermeiro, indo ao front em Wissembourg.  
2) Essa breve Introdução de Nietzsche já apresenta esquematicamente o procedimento crítico que se encontrará em toda sua obra posterior, ou seja, seu resgate e valorização de um passado dionisíaco e os signos que permitem o reconhecimento da sobrevivência de tal passado no auge da tragédia grega (auge esse que, na perspectiva de Nietzsche, é decadência). Escreve Nietzsche:
O canto e a mímica de tais massas impetuosamente comovidas era algo de inteiramente novo e inaudito no mundo grego homérico; tratava-se de algo asiático e oriental, que os gregos, com a sua monstruosa força rítmica e imagética, em resumo, com o seu senso de beleza, dominaram até chegar à tragédia - como venceram o estilo do templo egípcio. (Introdução à tragédia de Sófocles, trad. Marcos Fernandes, WMF Martins Fontes, 2014, p. 12-13).
Por trás de toda forma harmônica (apolínea) existe uma base de conflito, pesadelo, delírio (dionisíaco). O percurso que vai de Ésquilo, passa por Sófocles e alcança Eurípides (os três grandes nomes da tragédia grega) é, para Nietzsche, a neutralização do desvio dionisíaco pelo logos tradicional, que a Poética de Aristóteles marcaria como norma (na seção 12 de O nascimento da tragédia, contudo, Nietzsche aponta As bacantes de Eurípides como uma sorte de retratação de toda tendência antidionisíaca de suas obras anteriores).
3) Ao mesmo tempo em que revisita a antiguidade grega, propondo, pelas vias da filologia, um rearranjo de seus elementos, Nietzsche também prepara o terreno para uma nova historiografia da cultura moldada por seus procedimentos críticos (Freud, Warburg, Benjamin). Aquilo que em Nietzsche se apresentava como o confronto entre o "asiático e oriental" e o "mundo grego homérico" é pensado por Warburg também sob o influxo do Renascimento e da tradição cristã. Escreve Georges Didi-Huberman: 
Mesmo que, na evolução posterior de seu vocabulário - depois de 1914 -, Warburg tenha passado progressivamente do dionisíaco (termo filosófico e especificamente grego) para o demoníaco (termo antropológico e mais "asiático" ou "babilônico"), persistiu a certeza fundamental comum a Nietzsche (antes) e a Freud (depois): o que sobrevive numa cultura é o mais recalcado, o mais obscuro, o mais longínquo e mais tenaz dessa cultura. (A imagem sobrevivente: história da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg, trad. Vera Ribeiro, Contraponto, 2013, p. 136).  

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