terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Holandeses

1) Descobri, em abril de 2013, que em outubro de 1977, na Universidade Columbia, em Nova York, convidado por Edward Said, Jacques Derrida ofereceu um seminário sobre Heidegger, sobre a origem da obra de arte, sobre van Gogh e suas imagens dos sapatos. Passei muito tempo lendo e relendo os textos envolvidos, tanto aquele de Derrida como aqueles movimentados por ele, especialmente o de Meyer Schapiro e também o de Heidegger, que eu já tentava ler de modo contrastante desde 2011

2) Diante disso, foi curioso ler recentemente um livro sobre outro holandês, Rembrandt, no qual a autora, Svetlana Alpers, reúne em um único parágrafo todas essas referências, numa espécie de percurso metodológico vertiginosamente resumido. "Há alguns anos ocorreu um debate entre Meyer Schapiro e Jacques Derrida a respeito do comentário de Martin Heidegger acerca da natureza dos quadros de Van Gogh sobre sapatos", assim começa Alpers. "A discussão tratou da relação do pintor com seu trabalho", completa ela, e continua:
Resumindo: à descrição de Heidegger dos sapatos de camponês como objetos feitos para uso, e da pintura como reveladora de sua essência instrumental - "a tela de Van Gogh é a revelação daquilo que o produto, o par de sapatos de camponês, é [...] na verdade" -, Schapiro retrucou que os sapatos não são um instrumento de uso, mas "um pedaço do ser do artista [...] a presença do artista na obra [...] uma peça de um autorretrato"
Até aí vai Alpers no que diz respeito às diferenças entre Heidegger e Schapiro. Derrida, por sua vez, escreve ela, "argumentou que não eram nem sapatos, nem autorretrato, porque um quadro assinala a ausência ao mesmo tempo dos sapatos e do pintor: 'Portanto, uma obra como o quadro com sapatos exibe o que lhe falta para ser uma obra, exibe - por meio dos sapatos - a falta, poder-se-ia quase dizer sua própria falta'. Assim, do objeto útil pintado passa-se ao artista pintando seus sapatos como autorretrato e deste a uma simples pintura". 
Rembrandt, A volta do filho pródigo, 1669, detalhe
3) Alpers termina por recusar elegantemente a contribuição de Derrida, decidindo que as ideias de Heidegger e Schapiro, ainda que distantes e discordantes, ainda eram produtivas para a questão que ela coloca em seu livro: "No que diz respeito à ausência, Derrida podia muito bem estar falando, como fez em outros lugares, sobre a natureza dos textos, mas o que Heidegger diz sobre os objetos e Schapiro sobre o ser nos ajuda a compreender os objetos peculiares aos quadros (e eu particularmente entendo as pinturas de cavalete tal como esttas se distinguem das imagens em geral) em nossa tradição" (Svetlana Alpers, O projeto de Rembrandt: o ateliê e o mercado, trad. Vera Pereira, Cia das Letras, 2010, p. 306).   

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