1) O segundo volume dos Diários de Susan Sontag é bastante vasto - quase 600 páginas, cobrindo o período que vai de 1964 a 1980. Diante disso, uma estratégia interessante de leitura é perceber a variação de leitura da própria Sontag a partir de exemplos pontuais, ou seja, a variação de sua percepção de certos textos e autores. Em 14 de maio de 1978, por exemplo, em Madri, ela escreve: "Ler Benjamin - o volume novo - e descobrir que ele é menos extraordinário, menos misterioso. Eu gostaria que ele não tivesse escrito as obras autobiográficas" (é provável que o tal "volume novo" a que faz referência Sontag seja Reflections, coletânea de ensaios de Benjamin editada por Peter Demetz em 1978).
2) Em sete de dezembro de 1977, Sontag escreve: "É verdade que Benjamin usava uma linguagem comunista nos últimos anos de vida, assim ele nos parece diferente hoje. Mas isso é porque ele morreu em 1940. Seus últimos anos foram aqueles em que a linguagem comunista reconquistou autoridade - vista como necessária para combater o fascismo (identificado como O Inimigo). Se Benjamin tivesse vivido tanto quanto Adorno, teria se tornado tão desiludido e antissocial quanto Adorno". Será? É o tipo de especulação parente da história contrafactual, que tenta fazer uma projeção do futuro a partir da reconfiguração do passado - se pensarmos no ensaio que Agamben dedica à correspondência entre Benjamin e Adorno em Infância e história, veremos que aí se defende um afastamento, uma heterogeneidade que já está posta muito antes de 1940 (é preciso levar em consideração também que o Adorno mais benjaminiano é aquele que surge depois da II Guerra, em 1951, com a publicação de Minima Moralia).
3) A questão da "linguagem comunista" é constante nos diários de Sontag - ligada não só a Benjamin, mas a todos os intelectuais de esquerda lidos por ela. O apelo comunista sobretudo em sua versão soviética (ao reler o ensaio de Sartre sobre Paul Nizan, Sontag escreve, em quatro de outubro de 1965, "me dou conta como Sartre foi importante para mim. Ele é o modelo - aquela abundância, aquela lucidez, aquele conhecimento. E o mau gosto" - como ler, portanto, a fixação de Sontag com o kitsch sem ter em mente o mau gosto que identifica em Sartre, seu modelo?). Mais de dez anos depois, em cinco de dezembro de 1978, relendo Canetti para escrever um ensaio, Sontag volta ao tema: "Canetti ficou livre da tentação da esquerda. Como?". Em grande medida, por conta da insistência de Canetti na solidão e sua igualmente constante recusa da massa e seus dispositivos de "ignição".
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