terça-feira, 13 de setembro de 2016

Problema no paraíso, 2

1) Lá pelas tantas, Zizek inicia um comentário a respeito de dois livros de Fredric Jameson - Representing Capital, de 2011, e Valences of the Dialetic, de 2009 (nas referências de Problema no paraíso o livro de Jameson está erradamente apontado como Violence of the Dialetic) - e seu diagnóstico acerca do "ponto extremo de unidade dos opostos na esfera econômica", ou seja, quanto mais produtividade, mais desemprego. Segundo Jameson, escreve Zizek, os desempregados devem fazer parte de uma categoria mais ampla, aquela dos "expulsos da história", "casos sem esperança ou terminais", aqueles que habitam as terras devastadas do planeta, no projeto continuado de manutenção das ruínas (via "guerra ao terror", desastres ecológicos e assemelhados). É necessária, portanto, a ampliação dessa categoria de excluídos, escreve Zizek, "como os espaços em branco dos mapas antigos" (os espaços em brancos dos mapas antigos sendo justamente o que despertou o interesse de Conrad pelas viagens e pela vida de capitão, como comenta Sebald em Os anéis de Saturno).
2) Zizek fala da necessidade de incluir um novo termo à proposta de Jameson - os "ilegalmente empregados", do mercado negro e as diferentes formas de escravidão. Isso permite a articulação dialética da posição de Jameson - os "excluídos" estão de fato "incluídos" a partir da perversa Aufhebung da exclusão (a simultânea suspensão/manutenção hegeliana). "Tomemos o exemplo do Congo de hoje", escreve Zizek, "por trás da fachada das 'paixões étnicas primitivas' mais uma vez explodindo no 'coração das trevas' africano, é fácil discernir os contornos do capitalismo global". 
3) No Congo, o Estado já não existe como unidade - chefes militares controlam parcelas do território, mantendo vínculos com corporações estrangeiras, que pagam pela exclusividade para a exploração dos recursos. "A ironia", escreve Zizek, "é que esses recursos minerais são usados em produtos de alta tecnologia, como laptops e celulares. Assim, em suma, esqueça o hábito de culpar pelos conflitos os 'costumes selvagens' das populações locais: basta tirar da equação as companhias estrangeiras de alta tecnologia e todo o edifício das 'guerras étnicas fomentadas por antigas paixões' irá desmoronar" (p. 30-31).  

2 comentários:

  1. Oi Kelvin, ótimas questões para complexas capturas. O excluído-incluído é a marca da subjetividade espetacular que nos habita, que opera a exclusão a percepção da exclusão, e torna os afetos motores da própria captura. circuitos autogeradores, imanentes. A exclusão com aparência de inclusão é uma das grandes questões que nos atravessam.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, João, obrigado pelo comentário.
      Você sabe que estava dando aula um dia desses e estávamos lendo o relato de um viajante do séc. XVI, André Álvares d'Almada. Num determinado momento, ele se refere aos habitantes da Alta Guiné, na África, como "judeus". O organizador da edição, Alberto da Costa e Silva, diz em nota que, 75 anos depois, Francisco Lemos Coelho usava o mesmo termo, mas ressalvando que "não tinham de judeus mais que o nome". Eles usavam o termo "judeus" para fazer referências a certos grupos isolados dessas comunidades, "excluídos-incluídos" nesse sentido (bardos, ferreiros e oleiros, que eram mantidos segregados, "desprezados e temidos", porque capazes de "mudar a natureza" - minério em arma, barro em pote e palavras em poesia).

      Excluir