quarta-feira, 11 de maio de 2016

Fórmulas de páthos

Dürer

Numa conferência realizada em Hamburgo em outubro de 1905, Warburg comparou um desenho de Dürer representando a morte de Orfeu a uma gravura sobre o mesmo tema proveniente do círculo de Mantegna. O desenho deriva da gravura: mas esta, por sua vez, e por intervenções que não são mais rastreáveis, trazia no gesto de Orfeu moribundo ressonâncias de um gesto que já se encontrava nos vasos gregos, como observou Warburg: "uma fórmula de páthos (Pathosformel) arqueologicamente autêntica". Segundo ele, não se tratava de um caso isolado: a arte do início do Renascimento recuperara da Antiguidade os "modelos de uma gestualidade patética intensificada", ignorados pela visão classicista que identificava a arte antiga com a "serena grandeza". Nessa interpretação estilístico-iconográfica da morte de Orfeu, Warburg (como anotou em seu diário alguns meses depois) recorria a Nietzsche para integrar Winckelmann, corrigindo-o. Ao lado de Nietzsche, Burckhardt: o Renascimento (observou Fritz Saxl utilizando anotações de Warburg), sobretudo através dos sarcófagos, recuperara os gestos do paganismo orgiástico que a Idade Média censurara de maneira tácita. E foi precisamente numa frase de A cultura do Renascimento na Itália, de Burckhardt - "onde quer que se manifestasse certo páthos, deveria ser em forma antiga" -, que Gombrich reconheceu o germe da ideia de Pathosformeln proposta por Warburg. (Carlo Ginzburg, Medo, reverência, terror, trad. Federico Carotti, Cia das Letras, 2014, p. 7-8).
Mantegna

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