sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Roth, Munro, Kepesh


Um contraste interessante com a experiência de Kepesh [protagonista de livros de Philip Roth como O animal agonizante e O professor do desejo] é o célebre conto de Alice Munro, "O urso atravessou a montanha". Munro retrata um dos mais indiscutivelmente amorosos maridos da ficção moderna, um homem devotado a sua esposa na velhice e no longo mergulho dela no mal de Alzheimer, mas um homem que, quando jovem, foi também um libertino compulsivo [assim como Kepesh]. Na verdade, ele é um professor que se afastou da trajetória convencional atraído pela sexualidade livre e pelo vale-tudo dos anos 1960, e só foi impedido de destruir seu casamento perfeito pela crescente vigilância dos cães de guarda do campus e de feministas cada vez mais furiosas. (Como diz o imoralista de Gide: "Quem há de dizer quantas paixões e quantas ideias antagônicas podem coabitar dentro de um homem?" [só de um homem?]). Kepesh toma a trilha dos anos 1960 na direção inversa - uma trilha que poucos seguiram até o destino final, e mesmo poucos se perguntaram como seria exatamente esse lugar. Determinado a "seguir a lógica da revolução até sua conclusão" e a "transformar a liberdade num sistema", ele fez da própria vida um experimento radical - que, como outros sistemas radicalmente "puros" que Roth examinou em sua obra, está fadado a fracassar.

(Claudia Roth Pierpoint. Roth libertado: o escritor e seus livros. Trad. Carlos Afonso Malferrari. Cia das Letras, 2015, p. 374).

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