segunda-feira, 7 de maio de 2012

Os beatos anos

1) A primeira questão que aparece é: como traduzir a palavra beati, que aparece no título original? I beati anni del castigo - a história do termo é longa, pois vem direto do latim ("beatum") e acumulou uma série de usos ao longo dos séculos. Podemos pensar, por exemplo, no livro de Antonio Tabucchi - Os voláteis do Beato Angelico. Beato Angelico foi um monge pintor, que escolheu o nome "Beato" para si porque a palavra representava, para ele, a "felicidade" e "fortuna" de servir a Deus. Antes de Angelico, portanto, a ênfase de "beato" estava mais sobre a "felicidade" do que sobre a "religiosidade". 
2) Uma tradução literal - "Os beatos anos do castigo" - talvez não alcance as camadas mais profundas do romance. Por outro lado, a tradução ao espanhol (Los hermosos años del castigo), ao francês (Les années bienheureuses du châtiment) e ao inglês (Sweet days of discipline) reforçam apenas o lado gozoso do contexto, optando por deixar de lado o sentido por vezes espiritual de beatum.    
3) Essa palavra, portanto, desde muito cedo, acumula uma carga religiosa que é por vezes enganosa. Há uma carga mística no livro de Jaeggy - o colégio como um espaço de abandono do ser, como um espaço de esvaziamento das pulsões individuais -, que ganha ainda mais força quando os "anos beatos" ou "anos felizes" se tornam "anos de castigo". Os anos de castigo são justamente os anos de educação, o tempo que leva para uma pessoa passar do estado "natural" para o estado "civilizado" - porque essa é uma das principais ênfases que coloca Jaeggy: como uma criança aparentemente normal pode se tornar, sob os estímulos corretos, uma figura anônima e apática. 

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