Por mais que Magris e Saer insistam no caráter fantasmático da fronteira, no caráter irredutivelmente ficcional da fronteira, mostrando que a geografia é fluida, eles também insistem que esse espaço, e a ideia de unificação que frequentemente solicita esse espaço, são sinônimos de conflito. Assim como em Gonçalo Tavares, que apresenta uma Europa sem a menção específica a países em suas ficções, a fluidez do rio é também um recurso para evidenciar a face perniciosa da indistinção, a torção dialética do pertencimento. Para que haja guerra, basta dois sujeitos num mesmo espaço.
terça-feira, 31 de agosto de 2010
Saer e Magris, 6
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
Saer e Magris, 5
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
Saer e Magris, 4
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1) O livro de Magris é da mesma natureza dos livros de Sebald, principalmente no que diz respeito à errância e à desterritorialização – aquela sensação de que um caminho tomado ao acaso (uma cartografia pessoal) diz, e recebe, mais da geografia explorada que um mapa ou tratado. Magris e Sebald compartilham com Robert Walser esse impulso pelo andar à deriva, pela flânerie. 2) Todos padecem da irresistível vontade de percorrer os lugares não-contemplados, descartados como desinteressantes ou irrelevantes para a historiografia clássica. Há, em Magris, assim como em Sebald e Walser, uma mescla do arcaico com o futurista: estão em contato com a terra, e com os caminhos inexplorados da terra, para absorver o que quer que tenha sobrado da história, para captar os influxos dos tempos que se acumulam nas cidades centenárias e, principalmente, nas árvores centenárias que circundam essas cidades; estão em busca de uma comunicação que esteja além das palavras – o arcaico como a tradição oral, como a magia (aquela magia ancestral cuja perda, segundo Walter Benjamin, é o primeiro motivo de tristeza para as crianças). 3) Mas, assim como estão em contato com o arcaico, com o início, com a primeira camada, os caminhantes também estão em contato com o fim, com a destruição, com a resolução e dissolução do tempo e da história. 4) A busca pelo puro é constantemente atravessada pela consciência das ruínas, pela consciência de que não há semblante original, ou ainda, de que aquilo que nos sobra é apenas o fragmento. É por isso que, tanto Sebald quanto Magris, estão atentos ao que teve lugar, à placa que indica o que já não existe mais, ao banal da história, ao ridículo do monumento, ao lado fetichista e paródico da homenagem, ao caráter fantasmático da memória (que se regozija com o abismo entre expectativa e realização). 5) Até o índice e a forma usada para separar os capítulos remete a esse cenário, especialmente se confrontarmos Danúbio com Os anéis de Saturno, de Sebald. Muitas divisões, capítulos breves dentro de uma grande seção, que levam títulos muito característicos, como epitáfios, como enigmas, que identificam ao mesmo tempo em que deixam em suspenso, prometendo uma história ou um dado histórico que só mais adiante será dado, sub-repticiamente.
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quinta-feira, 26 de agosto de 2010
Saer e Magris, 3
Saer e Magris, 2
quarta-feira, 25 de agosto de 2010
Saer e Magris, 1
terça-feira, 24 de agosto de 2010
Monsieur Teste
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
Medo e confusão na guerra das imagens
sexta-feira, 20 de agosto de 2010
Michael Chabon
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
Manicômio
terça-feira, 17 de agosto de 2010
A guerra das imagens
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Serge Gruzinski fala muitas coisas interessantes em seu livro A guerra das imagens – um trabalho que, conforme indica o título, vai de Colombo a Blade Runner, investigando as múltiplas formas pelas quais uma imagem pode ser absorvida, adulterada e/ou desviada. Ele fala dos zemes (ou cemíes), curiosos objetos indígenas da região do México, Cuba e ilhas próximas, misto de ícone de culto, representação dos mortos e amuleto doméstico. Em sua mescla de materiais, em sua indecidibilidade de função e em seu aspecto ameaçador, lembra muito os odradeks de Kafka. O colonizador destruía as imagens indígenas e, em seus lugares, colocava imagens da Virgem.
A Europa lia os cemíes como continuidade de suas próprias crendices e suas próprias lendas de almas penadas, feitiçarias e pactos com o demônio – as imagens encontradas no Novo Mundo serviam como argumento para um embate de ideias que acontecia na Europa, e que voltariam transformadas para o lugar de onde tinham sido tiradas.
Carlo Ginzburg (Os andarilhos do bem, História noturna) já escreveu bastante sobre as crendices espirituais do período (imediatamente anterior e posterior ao “Descobrimento”), mas Gruzinski faz o circo gravitar em torno da América Latina de uma forma completamente inaudita.
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