sábado, 22 de novembro de 2025
La cena
segunda-feira, 17 de novembro de 2025
Lições de dança
1) Uma das coisas que chamam a atenção durante a leitura da breve novela de Bohumil Hrabal, Lições de dança para idosos, de 1964, é a quantidade de suicídios: muitos personagens, nos mais variados contextos, decidem pela morte pelas próprias mãos; o motivo principal, que organiza boa parte dessas ocorrências, é a desilusão amorosa - de resto, tema forte e constante de Hrabal, sempre interessado no corpo, no sexo, no toque, no orgasmo, no beijo (em Trens rigorosamente vigiados, por exemplo, novelinha do ano seguinte, 1965, o controlador de tráfego da pequena estação onde trabalha o narrador se chama "Hubička", cujo significado literal, em tcheco, é "beijoca" (é o que informa o tradutor Luís Carlos Cabral em nota)).
2) De onde Hrabal tira esse estilo convulsivo e heterogêneo? Lições de dança para idosos, por exemplo, é uma novelinha feita de uma frase só, com ideias e cenas separadas apenas por vírgulas, sem qualquer preocupação com coesão ou lógica na junção de uma história a outra - o que organiza o todo é a voz do narrador, que aparentemente está contando suas histórias para um grupo de mulheres (dançarinas?) no que parece ser um ajuntamento vestido nos fundos do terreno de uma igreja. Diante desse fluxo, e pensando na data de lançamento (e de produção de Hrabal de uma forma geral), vem à cabeça, sem dúvida, o Ulisses de Joyce - que teve o tcheco como uma de suas primeiras traduções, já em 1930 (logo depois das traduções para o alemão (1927) e francês (1929)).
3) Em um momento de Lições de dança, por exemplo, o narrador conta que estava andando pela rua e vê uma linda mulher que não parece estar usando calcinha; ele fixa o olhar exatamente ali, que, segundo o narrador, "é o ponto onde Goethe gostava de fixar o olhar antes de se sentar para escrever poemas"; em outro momento, o narrador relembra um velho conhecido, velho parceiro de noitadas, que, quando bêbado (especificamente nas festas na igreja), gostava de pegar as estátuas dos santos e despejar slivovitz pelas bocas de louça dos santos, o que gerava intensa revolta no padre, que vinha correndo, gritando: "bando de tártaros, é assim que vocês se comportam na casa de Deus?".
sexta-feira, 14 de novembro de 2025
Um rato
Um rato entrou, não sei de que buraco;
Não silencioso, como é seu hábito,
Mas presunçoso, arrogante e bombástico.
Era loquaz, rebuscado, equestre:
Empoleirou-se em cima da prateleira
E me fez um sermão
Citando Plutarco, Nietzsche e Dante:
Que eu não devo perder tempo,
Blá-blá-blá, que o tempo urge,
E que o tempo perdido não retorna,
E que tempo é dinheiro,
E que quem tem tempo que o aproveite,
Porque a vida é breve e a arte é longa,
E que sente lançar-se às minhas costas
Não sei que carro alado e falcado.
Que petulância! Quanta baboseira!
Era de me torrar a paciência.
Acaso um rato sabe o que é o tempo?
Logo ele, que está gastando o meu
Com essa lenga-lenga descarada.
É um rato? Que vá pregar aos ratos.
Pedi-lhe que saísse do recinto:
O que é o tempo, eu sei perfeitamente,
Entra em muitas equações da física,
Em vários casos até ao quadrado
Ou com um expoente negativo.
E de meus casos quem cuida sou eu,
Não necessito de governo alheio:
Prima caritas incipit ab ego.
15 de janeiro de 1983
(Primo Levi, Mil sóis: poemas escolhidos, trad. Maurício Santana Dias, Todavia, 2019, p. 94-97)
domingo, 9 de novembro de 2025
O convite
sábado, 1 de novembro de 2025
Um perverso
sexta-feira, 31 de outubro de 2025
O Nobel de Simon
"Leciono na Universidade de Nova Iorque durante o outono de 1985, quando recebo uma chamada telefônica de Paris-Match anunciando-me o Nobel de Simon. Pulo de alegria. A carreira internacional de nosso amigo arrasta-se um pouco por causa das dificuldades estilísticas encontradas por seus tradutores. O prêmio sueco permitirá enfim o impulso que esperávamos. (...)
Meu jornalista parisiense declara então: posto que isso lhe dá tanto prazer, escreva um artigo para Match. Recuo prontamente, como de hábito: não sei fazer esse gênero de trabalho, não escrevo com facilidade, precisaria de tempo, corro risco de não ser entendido pelo grande público... O outro interrompe minhas justificativas: 'Eis, diz, a situação: um artigo bastante desfavorável, idiota e injurioso deve ser publicado por nós. Só será possível evitar isso se eu conseguir com rapidez outro texto, assinado por um escritor conhecido, pertencendo à mesma escola, etc'
Pergunto qual seria o prazo de entrega. Terei de ditar, por telefone, cinco páginas até a manhã da próxima segunda-feira. Estamos no fim de semana. E não se trata, acrescenta meu interlocutor, de falar de formas ou de teorias literárias. O importante é contar anedotas pessoais mostrando o caráter do homem, sua simplicidade, gentileza, os imprevistos de seu destino... (...)
Relato, em particular, como encontrei Claude. (...) Jean-Edern pois me passa o manuscrito do Vento, que devia sair pela Calmann-Lévy. Li-o de uma só vez, no maior entusiasmo. Pedi para encontrar o autor do qual nada conheço. A entrevista acontece sem demora, na rua Bernard-Palissy, na sala de Jérôme Lindon, a quem entreguei imediatamente o belo texto e cuja opinião confirma a minha.
Afirmamos em coro nossa admiração pelo quase desconhecido e deploramos que seus livros fossem publicados depois de certo tempo sob o selo de um editor que parece tão pouco adequado para eles. Simon alega que um contrato, porém, é um contrato. Falando então mais detalhadamente de seu romance, ponho-lhe a questão que me queima os lábios: por que, próximo ao fim da magnífica trama, levado por uma opaca onda tempestuosa, deve-se cair de tão alto para ler passagens explicativas, inúteis e enfadonhas, intercaladas como absurdos parapeitos no caminho do desfecho inelutável e tumultuoso? Claude Simon responde sem hesitar que esses capítulos foram acrescentados após, não pertencendo, em seu entender, ao corpo do trabalho escrito, mas que é obrigado (para acalmar Calmann) a racionalizar um pouco a sua narrativa no final; sem isso, o livro seria recusado. (...)
O Vento sai portanto pela Minuit, evidentemente sem as sequências normalizadoras, que não tinham mais nenhuma razão de ser... E meu artigo sai em Match... Recebo de imediato um telefonema severo e desconcertado de Lindon: Claude está furioso por essa história ter sido contada e quer enviar à revista um desmentido categórico, etc. (...)
Jérôme Lindon consegue, não sem dificuldades, aliviar a comichão de Claude. E não ouço mais falar do caso. Durante dois anos, não mais encontro meu irascível colega. (...) Um grande almoço da NYU, organizado em Paris por Bishop, nos reúne enfim de novo. Desde de sua entrada, atiro-me sobre Claude para acolhê-lo de braços abertos, sem rancor. Ele quer se desviar, parece hesitar em reconhecer-me; depois, fingindo subitamente me identificar: 'Ah, sim! O autor do Vento?', como se eu me tivesse gabado de ser o verdadeiro pai de seu livro!
Eu estava naquele momento em companhia de Nathalie Sarraute, a quem tive de explicar a origem da alfinetada e por que Simon tinha-me em seguida tão cordialmente voltado as costas. Com seu tom suave, e o esboço de sorriso do qual nunca se sabe se é de uma maldade espantosa ou muito indulgente, Nathalie respondeu-me que, sem nenhuma dúvida, nosso confrade ruminava a sua frase há dois anos"
(Alain Robbe-Grillet, Os últimos dias de Corinto, trad. Juremir Machado da Silva, Sulina, 1997, p. 92-95)
quarta-feira, 29 de outubro de 2025
Ciência da mediação
"O psicanalista Jacques Lacan coloca o imaginário, o simbólico e o real como as três ordens distintas, mas interdependentes da experiência psíquica. Elas reenquadram a topografia freudiana de eu, supereu e isso, respectivamente, elucidando que os domínios do sujeito também são reinos objetivos do social. O imaginário é o registro de imagens, identificações, inteirezas e projeções; o simbólico é o registro de linguagem, instituições, leis, práticas e ordem; o real é o registro daquilo que catalisa o imaginário e escapa ao simbólico - o impossível, o não representável, o material, o contraditório ou desprovido de sentido.
Em certo sentido, esses registros descrevem o desenvolvimento psíquico: uma experiência infantil de incorporação e reciprocidade umbilical (imaginário) amadurece nas mediações da linguagem (simbólico), ao passo que essa progressão também efetua retroativamente um indício de algo inacessível e indizível (real). Em outro sentido, no entanto, a sobreposição e subposição simultâneas desses três é fundamental, visto que o sujeito do inconsciente é variado, divergente, nunca é inteira e diretamente ele mesmo.
Tanto por meio desse modelo de desenvolvimento quanto por meio desse modelo estrutural, a psicanálise habilita uma ciência da mediação sem precedentes: um estudo de como linguagem e normas informam desejos; de como desejos só conseguem se tornar legíveis nas distorções de parapraxias, sonhos, trapalhadas e sintomas; de como o eu não é autoevidente, sendo, pelo contrário, produto de relações sociais"
(Anna Kornbluh, Imediatez: ou o estilo do capitalismo tardio demais, trad. Nélio Schneider, São Paulo, Boitempo, 2025, p. 69-70)






