1) É impressionante a presença que Thomas Bernhard conseguiu estabelecer na literatura posterior a sua obra, o modo como ele conseguiu se fazer presente em uma série de livros e autores tão diferentes entre si e que, ainda assim, compartilham Bernhard como elemento constitutivo (na linha do que escreve Borges sobre Kafka e seus precursores: é porque existe Kafka que reconhecemos certos pontos de contato em textos que, sem Kafka, não seriam aproximáveis; no caso de Bernhard, isso se dá com os textos que o sucedem). É o que aproxima W. G. Sebald, Bernardo Carvalho, Horacio Castellanos Moya e Hervé Guibert.
2) Escreve Guibert em Ao amigo que não me salvou a vida: "...incapaz de fazer o que quer que fosse, até mesmo continuar a leitura de Perturbação, de Thomas Bernhard. Eu odiava aquele Thomas Bernhard, ele era inegavelmente muito melhor escritor do que eu, no entanto não passava de um aporrinhador, um fuxiqueiro, um enchedor de linguiça, um criador de truísmos silogísticos, um noviço tuberculoso, um tergiversador evasivo, um diatribador enchedor de sacos salzburguenses, um gabarola que fazia tudo melhor que todo mundo, andar de bicicleta, escrever livros, pregar pregos, tocar violino, cantar, filosofar e odiar cotidianamente" (p. 175).
3) Um pouco mais adiante, Guibert já não se ocupa da emulação do estilo de Bernhard, mas da inserção da vida/morte do autor dentro do registro de sua própria vida/morte, como se o dispositivo de contágio tivesse ultrapassado a "literatura" e alcançado o "vivido": "Em 1º de fevereiro, Thomas Bernhard tinha apenas onze dias de vida pela frente. No dia 10 de fevereiro, peguei na farmácia do hospital Rothschild minhas cartelas de AZT, que escondi dentro do casaco ao sair, porque contrabandistas na calçada me olhavam como se quisessem roubá-las para amigos africanos, mas até hoje, 20 de março, em que faço a revisão deste livro, continuo sem ter tomado nenhuma cápsula de AZT" (p. 183).
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