terça-feira, 9 de maio de 2023

A morte de Jesus



1) Toda a trilogia de Jesus de J. M. Coetzee se funda sobre a expectativa gerada pela linguagem (um tema recorrente em sua obra, que tem o protagonismo em um livro como Foe, por exemplo): desde o título, anunciando um "Jesus" que nunca se apresenta, que nunca é mencionado, que vive como significante - gerando expectativa no leitor - sem qualquer completude em direção ao factual ou ao histórico. A aposta se intensifica no último volume, A morte de Jesus, já que o título opera em um registro ambivalente no que diz respeito à expectativa: Jesus continua aí, e continua não aparecendo no romance; a morte, contudo, serve de complemento e promessa - uma faceta da expectativa que é levada a termo, que é, de certa forma, "honrada" pelo autor. 

2) De certo modo, Coetzee dá um nó na ideia de Wittgenstein de que "os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo", em primeiro lugar porque desfaz essa dicotomia que torna possível a infraestrutura da noção de Wittgenstein (que linguagem e mundo são diferentes, apesar do compartilhamento de limites); em segundo lugar, porque a linguagem - na trilogia de Coetzee - indica um limite enganoso, um limite que é uma espécie de marco-moldura falso, que induz ao erro (o mundo evocado pela palavra "Jesus" não é encontrado no interior dos romances que levam esse nome); em terceiro lugar, porque o limite da linguagem no mundo criado por Coetzee na trilogia é sempre fantasmático, alucinatório: todos os personagens falam espanhol, mas o texto que lemos está escrito em inglês.

3) Julio Fabricante, Las Manos, Maria Prudencia, Las Panteras, Simón, Juan Sebastián Arroyo, Los Gatos, Modas Modernas, Pablo, Bolívar, Joaquín, Damián: os nomes indicam uma realidade que, no entanto, não é corroborada pela linguagem na qual o romance se expressa (assim como o menino David, leitor obsessivo de Don Quijote, lê em espanhol mas reconta em inglês, embora o texto "original" permaneça sempre invisível). A língua inglesa foi abandonada em um mundo prévio, que no romance não existe mais; no entanto, é justamente nessa língua obliterada (todos falam em espanhol na Nova Terra da trilogia) que o romance é escrito (a performance de escrita do romance é o cancelamento de sua premissa central). 

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