1) Michel Foucault aparece como personagem no livro de Hervé Guibert, Ao amigo que não me salvou a vida (trad. Julia da Rosa Simões, Todavia, 2023), lançado em 1990 (um ano antes da morte do autor). Foucault, no entanto, aparece sob pseudônimo: Muzil, uma curiosa homenagem ao autor de O homem sem qualidades (por essa linha, é preciso ter em mente também a homenagem que Guibert faz no mesmo livro a outro autor de língua alemã: Thomas Bernhard). Foucault/Muzil, aliás, aparece no livro de Guibert como um leitor, inclusive como um leitor que declara ao narrador dois de seus livros favoritos: Debaixo do vulcão, de Malcolm Lowry, e as Meditações, de Marco Aurélio.
2) O narrador de Guibert fala que seu primeiro livro, La Mort propagande, lançado em janeiro de 1977, foi o que permitiu sua entrada no "pequeno círculo de amigos" de Muzil, que já havia "lançado o primeiro volume" de sua "monumental história dos comportamentos". Originalmente uma "introdução ao primeiro tomo", se torna um livro, "adiando a publicação do verdadeiro primeiro volume", "ultrapassado pelo bólide introdutório" (p. 27). "O livro mais potente e mais frágil do mundo", é como o narrador de Guibert fala do projeto de Muzil (a História da sexualidade de Foucault), "um tesouro em andamento", um "sonho" encerrado com "a certeza de sua morte iminente"; com os dias contados, "Muzil começou a reorganizar seu livro, com limpidez" (p. 29).
3) Alguns meses antes de sua morte, Muzil dá de presente ao narrador de Guibert seu exemplar das Meditações de Marco Aurélio: "enrolado em um papel de seda", a edição amarela da Garnier-Flammarion: "Marco Aurélio, como me informou Muzil ao me dar o exemplar de suas Meditações, começara seu texto com uma sequência de homenagens dedicadas a seus predecessores, aos diferentes membros de sua família e a seus mestres, agradecendo especificamente a cada um, os mortos primeiros, pelo que lhe tinham ensinado e proporcionado de favorável no restante de sua vida. Muzil, que morreria alguns meses mais tarde, me disse então que em breve pretendia escrever, nesse sentido, um elogio dedicado a mim, a mim que sem dúvida nunca pudera lhe ensinar nada" (p. 62-63).
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