1) A arte ambiciona reproduzir a natureza, lugar e matriz de toda perfeição? Ou é uma sublimação da matéria, um aperfeiçoamento, um processo de eliminação das impurezas, de fixação de um momento extra-ordinário, atemporal, mágico? Partindo de uma célebre dicotomia, cimentada pelo trabalho dos Quatro Grandes Filólogos (Auerbach, Curtius, Spitzer, Vossler), é possível dizer que as duas perguntas correspondem a dois encaminhamentos canônicos da história da literatura: o dantismo e o petrarquismo.
2) O primeiro é o reconhecimento do cosmo como "grande obra", escrita pela mão de Deus. Daí decorre o trabalho do poeta, perene imitação, dedicada, tenaz, comprometida. Quanto mais distante da revelação divina, pior será o trabalho do poeta (uma criação afastada, de certa forma, da Criação). O percurso que decorre de Petrarca, por outro lado, diz respeito à poesia como sublimação das agruras humanas (o significante não está aí por acaso: faz pensar nas Agruras do verdadeiro tira, de Bolaño), harmonização de um drama visando transformar a dor em beleza.
3) Não é por acaso que um dos últimos grandes petrarquistas tenha sido Baudelaire, com sua vida completamente absorvida pelo século XIX - nascido em 1821, morto em 1867. Com o "maneirismo" da sua poesia acreditava poder criar "as flores do mal", a beleza ainda possível no caos da cidade, uma beleza impura, heterogênea - "artificial" como os "paraísos" que ele contrastava com o inferno de sua contemporaneidade (por esse percurso, é possível novamente chegar a Bolaño, também ele petrarquista, que faz poesia do sofrimento: La palabra coño, metamorfoseada en la palabra arte, le había salvado la vida - sem esquecer, evidentemente, a epígrafe baudelairiana de 2666).