terça-feira, 25 de janeiro de 2022

O discípulo



1) Em seu livro Lições dos mestres (trad. Maria Alice Máximo, Record, 2005), George Steiner menciona um romance esquecido de Paul Bourget, publicado em 1889, Le Disciple. Segundo Steiner, o livro é uma relíquia de enorme legado, "de um modo geral desapercebido". Sem ele não teríamos Monsieur Teste, de Paul Valéry; e, apesar do desdém por Bourget manifestado em seus diários, André Gide recorre ao romance de Bourget "para seus sardônicos estudos sobre mestres e discípulos em seu O imoralista e em Os porões do Vaticano", escreve Steiner (p. 123). Apesar de não ser um grande livro, continua Steiner, Le Disciple levanta uma das questões "mais complicadas" da filosofia: um mestre é responsável pela conduta de seus discípulos?

2) Steiner parte de um romance obscuro - mas lido por uma porção de figuras canônicas - e chega na questão central de seu livro, a relação entre mestres e discípulos: Sócrates e Platão, Virgílio e Dante, Jesus e os apóstolos, Husserl e Heidegger... O mistério do ensinamento reside sobre um paradoxo: para ser efetivo, o mestre deve ser esquecido, suplantado, deixado para trás; o ápice da responsabilidade com relação ao destino dos discípulos toca o extremo oposto, da radical diferença entre o ponto de partida e o ponto de chegada. "Ensinar com grandiosidade é despertar dúvidas no aluno, é treiná-lo para divergir. É preparar o discípulo para partir. O verdadeiro Mestre deve, no final, estar só" (p. 128).

3) Um romance obscuro e esquecido é peça central também na relação entre Jacques Derrida e Paul de Man (double bind em ação: quem é mestre, quem é discípulo?). Em vários textos e entrevistas, Derrida conta como de Man um dia disse a ele: "Se quiser saber algo de mim, leia o romance de Henri Thomas, Le Parjure" (publicado originalmente como "Hölderlin na América" no Mercure de France). Thomas - que traduziu Ernst Jünger para o francês - ficcionaliza parte da vida de Paul de Man para contar a história de um "perjúrio", de um homem que "trai" o juramento do casamento e se casa de novo, com outra mulher, em outro país (de Man sai da Bélgica em 1948 e vai para Nova York, onde se casa com Patricia Kelley em 1950; ele já era casado com Anaïde Baraghian desde 1944).

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