2) A imagem é excelente e fica ainda mais valorizada pela rapidez com que Aira a emprega, logo partindo em direção a outra frase, outra ideia (a ideia de que o surrealismo já nasceu morto e que, por isso, segue circulando de forma póstuma e sempre renovada). A imagem funciona não apenas porque o relógio é um símbolo/artefato tão ligado ao surrealismo, mas especialmente porque faz pensar simultaneamente em três elementos: o tempo, a morte e a família (uma triangulação que é fundamental não apenas para a poética de Pizarnik, mas para boa parte da literatura feita desde Homero - esses três elementos, tempo, morte e família, não resumem também a Odisseia?).
3) Em um breve texto sobre Pizarnik, Enrique Vila-Matas (também ele um continuador, ou ao menos um entusiasta do surrealismo) fala sobre o suicídio e sobre a capacidade que obra/figura de Pizarnik tem de desafiar o tempo (mais uma vez o tempo, portanto - sua linguagem "resiste à passagem do tempo", escreve Vila-Matas, acrescentando ainda outras palavras à equação: "sono, morte, infância, terror, noite"). De certa forma, escreve ainda Aira, "a poesia morreu com ela"; "agir como se ela ainda estivesse viva, mesmo metaforicamente, é desvalorizá-la" (agora é Pizarnik quem deve ser levada por aí, como o relógio de um parente morto).
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