terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Como fazer


Em seu ensaio sobre Philip Roth - uma resenha de Nemesis publicada originalmente na New York Review of Books em outubro de 2010 -, J. M. Coetzee menciona os "prazeres subsidiários" [subsidiary pleasures] proporcionados por Roth em seus romances. Entre eles, os "pequenos ensaios instrutivos inseridos nos romances" [expert little how-to essays embedded in the novels], como se produz uma boa luva, como se arruma a vitrine de um açougue (Coetzee ainda comenta que, no caso de Homem comum, Roth oferece um lindo e modesto episódio de como cavar uma sepultura [modest but beautifully composed little ten-page episode of how to dig a grave]).

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O comentário de Coetzee faz pensar na natureza heterogênea do romance como gênero - algo que Milan Kundera, entre tantos outros, comentou extensamente (sendo seu exemplo paradigmático o caso de Hermann Broch): a capacidade do romance de absorver todo tipo de discurso, disciplina e entonação, sem que essa dimensão de mistura enfraqueça a própria construção romanesca do romance (como processo, como gênero, como exercício de linguagem). No caso específico de Roth, é preciso levar também em consideração a estranheza do ofício do escritor, uma estranheza que às vezes ganha contorno trágicos, às vezes cômicos, em seus romances (a incompreensão da família, por exemplo, sempre que o tema do trabalho do escritor surge: "quando você vai encontrar um trabalho de verdade?"; "mas você ganha algum dinheiro com isso?"; variações dessas cenas pontuam a obra de Roth como um todo).  

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