segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Utopia, sublime


1) Em "The Politics of Interpretation" (originalmente de 1982), um dos capítulos de seu livro The Content of the Form, Hayden White reflete sobre as condições que tornam possível a transformação de um "campo de estudos" em uma "disciplina" - com o objetivo final de pensar sobre as relações entre História e Literatura (no século XIX, escreve ele, para a primeira se tornar disciplina teve que camuflar seus laços com a segunda). Em confronto com o romance realista do século XIX, o discurso histórico quer disciplinar a própria consciência, distanciando-se do utopian thinking in all of its forms. White afirma que a pulsão utópica (e a dimensão estética do sublime) é sacrificada para a consolidação da autoridade da disciplina histórica.

2) A performance de exclusão da utopia e do sublime no discurso disciplinar no século XIX gera, quase que de imediato, uma potente resposta: basta pensar em Nietzsche (escrevendo A gaia ciência perto do Lago Silvaplana, na Suíça, Nietzsche liga a emergência de Zarathustra ao sublime). Tudo isso acontece poucos anos antes da morte de Ranke, que acontece em 1886. Escrevendo a partir de Nietzsche e desse movimento de resposta à exclusão da utopia e do sublime, Walter Benjamin vai se posicionar contra esse conjunto de limitações em vários pontos de sua obra (não à toa vai resgatar os românticos, vai recorrer ao pensamento místico judaico e vai absorver igualmente a dimensão utópica do marxismo, fazendo malabarismo com essas vertentes).

3) Em paralelo a essa movimentação benjaminiana, acompanhamos uma série de artistas envolvidos em projetos nos quais o tempo, a história e a experiência são transtornados ao extremo - desde Proust e Eliot, até Woolf e James Joyce, passando pelos futuristas, dadaístas, surrealistas e assim por diante. Existem outros experimentos análogos, não tão drásticos em termos formais, mas igualmente desviantes com relação ao recalcamento do utópico e do sublime, como a reconfiguração do conto de fadas em Robert Walser ou da fábula em Kafka.         

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