quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Pilatos

La Clef des champs, 1936

 "Uma afirmação falsa, uma afirmação verdadeira e uma afirmação inventada não apresentam, do ponto de vista formal, nenhuma diferença. Quando Benveniste analisou os tempos dos verbos franceses serviu-se, sem hesitação, de exemplos tirados ora de romances, ora de livros de história. Num curto romance chamado Pôncio Pilatos, Roger Caillois explorou com muita inteligência as implicações dessa analogia. É noite: na manhã seguinte Jesus será processado. Pilatos ainda não decidiu a sentença que proferirá. Para induzi-lo a escolher a condenação, um personagem prevê uma longa série de acontecimentos que se seguirão à morte de Jesus: alguns importantes, outros insignificantes - mas, como o leitor compreende, todos verdadeiros. No dia seguinte Pilatos resolve absolver o imputado. Jesus é renegado pelos discípulos; a história do mundo toma outro caminho. A contiguidade entre ficção e história faz pensar naqueles quadros de Magritte em que estão representados, lado a lado, uma paisagem e seu reflexo num espelho quebrado"

(Carlo Ginzburg, "Descrição e citação", O fio e os rastros, trad. Rosa Freire d'Aguiar e Eduardo Brandão, Cia das Letras, 2007, p. 18).

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