2) No que diz respeito às aulas de literatura, Nabokov sempre faz questão de frisar como pensou, preparou, escreveu e datilografou tudo com muito cuidado, oscilando entre uma cena de auto-aprimoramento (escrevi e preparei pelo gosto de reler romances que gosto) e uma cena de indulgência e irônica generosidade (quem sabe assim vocês aprendem algo). O mesmo se aplica ao conteúdo das aulas: muitas vezes a leitura de Nabokov se prende aos detalhes, se prende à sua capacidade de desvendar uma camada subterrânea dos textos a partir de sua atenção privilegiada, sua atenção não só de escritor, mas de gênio - um gênio que se aplica a todas as instâncias (produção, recepção, decodificação).
3) Quando lê Kafka, Nabokov se mostra interessado em esmiuçar a planta da casa da família em A metamorfose; quando lê Flaubert, Nabokov se mostra interessado em problemas de tradução em uma passagem muito específica sobre um dos penteados de Emma Bovary, e assim por diante. Nabokov me parece completamente avesso a qualquer tipo de cenário messiânico - tão importante para nomes como Kafka, Benjamin ou Agamben -, no qual o apego ao detalhe surge como espécie de projeção em direção a um futuro incerto, mas desejado (Nabokov tem plena consciência que o mundo como ele conheceu já não existe mais e está muito além de qualquer chance de recuperação - seu apego ao detalhe é, mais uma vez, extremamente autocentrado, diz respeito ao seu projeto pessoal de resistência e de apego).
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