1) Uma das coisas que Alan Pauls falou, quando o encontrei em 14 de junho de 2010, foi que o campo das artes plásticas oferecia, em termos de ideias e criatividade, muito mais do que o campo da literatura. E deixou claro que via esse fato tanto no lado da criação quanto no lado da crítica - citou, para o primeiro caso, Anish Kapoor, e, no campo da crítica, mencionou com entusiasmo o nome de Georges Didi-Huberman. Pauls não chegou a relacionar seu juízo sobre a literatura e as artes plásticas com a realização de sua própria obra ficcional, mas, se pensarmos em seu romance O passado, relembrando a complexidade e o espaço reservado para o personagem Riltse (um artista plástico profundamente perturbado), vemos que essa constatação de Pauls, aparentemente casual e ligeira, é, na verdade, fruto de uma reflexão antiga e, ainda mais importante, posta em teste naquilo que Piglia chamou de "laboratório do escritor" - ou seja, seus livros.
2) Há uma linhagem da literatura contemporânea que evidentemente partilha do interesse de Pauls pelo campo das artes plásticas - uma linhagem que se forma quando o interesse ultrapassa a simples opinião e se transforma em elemento transfigurador da prosa ficcional. Sebald, Vila-Matas e Mario Bellatin. Bernardo Carvalho, Paul Auster e Don DeLillo - este com sólidas contribuições para este mapeamento, como A artista do corpo e Ponto ômega. Cada um deles operando a partir de seus registros pessoais, mas com uma preocupação comum: ultrapassar a mera representação (um artista como personagem, a realização de um artefato artístico ao longo da narrativa, etc) e alcançar, somente com a linguagem, o correlato textual de um procedimento plástico.
3) Com seu último livro, Michel Houellebecq confere um tom ainda mais complexo a essa linhagem da literatura contemporânea. O mapa e o território, lançado em 2010 e vencedor do Prêmio Goncourt no mesmo ano, conta a história de Jed Martin, um depressivo artista plástico francês que começa sua carreira com fotografia, continua com pintura a óleo e termina com instalações videográficas. "Em seus títulos, como na pintura em si", escreve Michel Houellebecq, "Martin é simples e direto: descreve o mundo, não se autorizando, senão raramente, qualquer notação poética, um subtítulo à guisa de comentário. Não obstante, é o que faz numa de suas obras mais bem-sucedidas, Bill Gates e Steve Jobs discutem o futuro da informática, que decidiu subintitular A conversa de Palo Alto”. O mapa e o território. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Record, 2012, p. 177.
Acho a afirmação de Pauls inconsequente e infeliz, feita pra causar.
ResponderExcluirComparar sistemas estéticos inteiros e dizer que um está mais avançado que o outro? Fala sério.
Deve ser uma das benesses da fama dizer esse tipo de coisa e não ser mais cobrado por nada, nenhuma justificação, nenhum suplemento: só a garantia de ver a reprodução e multiplicação do que vc disse, com valor de verdade, circulando no mercado de ideias.
Engraçado, eu nem cheguei a pensar que havia algo de arbitrário ou caprichoso na afirmação de Pauls - a única coisa que pensei foi que, dentro da restrita experiência dele como leitor de arte e de literatura, ele sentia, de alguma forma não muito precisa, que recebia mais da "arte" do que da "literatura".
ResponderExcluirCertamente não havia muito critério na afirmação - ele não apresentou nenhuma hipótese, nenhum gráfico, só chutes empíricos - e, mesmo assim, eu acreditei na ideia, achei que ele poderia ter razão, sob determinada perspectiva, sob determinada luz.
Talvez eu estivesse ali justamente acreditando na Presença do Autor, revivendo, de forma inconsciente e inconsequente, toda uma Metafísica da Voz Autoral, da Autoridade do Artista, e talvez esteja, sub-repticiamente, dando continuidade a esse breve lapso, essa cegueira intelectual que, no fim das contas, permanece.