sexta-feira, 31 de outubro de 2025

O Nobel de Simon


"Leciono na Universidade de Nova Iorque durante o outono de 1985, quando recebo uma chamada telefônica de Paris-Match anunciando-me o Nobel de Simon. Pulo de alegria. A carreira internacional de nosso amigo arrasta-se um pouco por causa das dificuldades estilísticas encontradas por seus tradutores. O prêmio sueco permitirá enfim o impulso que esperávamos. (...) 

Meu jornalista parisiense declara então: posto que isso lhe dá tanto prazer, escreva um artigo para Match. Recuo prontamente, como de hábito: não sei fazer esse gênero de trabalho, não escrevo com facilidade, precisaria de tempo, corro risco de não ser entendido pelo grande público... O outro interrompe minhas justificativas: 'Eis, diz, a situação: um artigo bastante desfavorável, idiota e injurioso deve ser publicado por nós. Só será possível evitar isso se eu conseguir com rapidez outro texto, assinado por um escritor conhecido, pertencendo à mesma escola, etc'

Pergunto qual seria o prazo de entrega. Terei de ditar, por telefone, cinco páginas até a manhã da próxima segunda-feira. Estamos no fim de semana. E não se trata, acrescenta meu interlocutor, de falar de formas ou de teorias literárias. O importante é contar anedotas pessoais mostrando o caráter do homem, sua simplicidade, gentileza, os imprevistos de seu destino... (...)

Relato, em particular, como encontrei Claude. (...) Jean-Edern pois me passa o manuscrito do Vento, que devia sair pela Calmann-Lévy. Li-o de uma só vez, no maior entusiasmo. Pedi para encontrar o autor do qual nada conheço. A entrevista acontece sem demora, na rua Bernard-Palissy, na sala de Jérôme Lindon, a quem entreguei imediatamente o belo texto e cuja opinião confirma a minha. 

Afirmamos em coro nossa admiração pelo quase desconhecido e deploramos que seus livros fossem publicados depois de certo tempo sob o selo de um editor que parece tão pouco adequado para eles. Simon alega que um contrato, porém, é um contrato. Falando então mais detalhadamente de seu romance, ponho-lhe a questão que me queima os lábios: por que, próximo ao fim da magnífica trama, levado por uma opaca onda tempestuosa, deve-se cair de tão alto para ler passagens explicativas, inúteis e enfadonhas, intercaladas como absurdos parapeitos no caminho do desfecho inelutável e tumultuoso? Claude Simon responde sem hesitar que esses capítulos foram acrescentados após, não pertencendo, em seu entender, ao corpo do trabalho escrito, mas que é obrigado (para acalmar Calmann) a racionalizar um pouco a sua narrativa no final; sem isso, o livro seria recusado. (...)

O Vento sai portanto pela Minuit, evidentemente sem as sequências normalizadoras, que não tinham mais nenhuma razão de ser... E meu artigo sai em Match... Recebo de imediato um telefonema severo e desconcertado de Lindon: Claude está furioso por essa história ter sido contada e quer enviar à revista um desmentido categórico, etc. (...)

Jérôme Lindon consegue, não sem dificuldades, aliviar a comichão de Claude. E não ouço mais falar do caso. Durante dois anos, não mais encontro meu irascível colega. (...) Um grande almoço da NYU, organizado em Paris por Bishop, nos reúne enfim de novo. Desde de sua entrada, atiro-me sobre Claude para acolhê-lo de braços abertos, sem rancor. Ele quer se desviar, parece hesitar em reconhecer-me; depois, fingindo subitamente me identificar: 'Ah, sim! O autor do Vento?', como se eu me tivesse gabado de ser o verdadeiro pai de seu livro!

Eu estava naquele momento em companhia de Nathalie Sarraute, a quem tive de explicar a origem da alfinetada e por que Simon tinha-me em seguida tão cordialmente voltado as costas. Com seu tom suave, e o esboço de sorriso do qual nunca se sabe se é de uma maldade espantosa ou muito indulgente, Nathalie respondeu-me que, sem nenhuma dúvida, nosso confrade ruminava a sua frase há dois anos"

(Alain Robbe-Grillet, Os últimos dias de Corinto, trad. Juremir Machado da Silva, Sulina, 1997, p. 92-95)

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