quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Sontag lê Leiris




1) Em uma carta enviada a Susan Sontag em 14 de janeiro de 1966, Joseph Cornell conta a ela que estava lendo com atenção e prazer seu livro Contra a interpretação, especialmente o ensaio dedicado a Michel Leiris - a resenha que Sontag havia feito ao livro que, em inglês, se chama Manhood, originalmente L'Âge d'homme, de 1939. Cornell não aprofunda, não diz exatamente quais as partes do ensaio que mais o tocaram (embora ele esteja claramente envolvido em uma cena de leitura fortemente carregada de reconhecimento e espelhismo), mas é possível inferir que se trate dos momentos em que Sontag fala que, em Leiris, mesmo os sucessos parecem fracassos e que ele tentava "eliminar" o próprio corpo (juízos que se aplicam perfeitamente à poética de Cornell).

2) Uma triangulação surpreendente: Cornell lendo Leiris através da leitura de Sontag. O fato é que Cornell era muito atraído pela literatura francesa - foi uma das poucas disciplinas nas quais se destacou quando frequentou o colégio interno e, por conta disso, a literatura francesa vai acompanhar Cornell ao longo de toda a vida (quando busca livros nas ruas, nas bancas, nos sebos; quando busca inspiração para suas caixas e colagens). Leiris nasce em 1901; Cornell, em 1903; Sontag, em 1933.

3) É curioso, contudo, notar que uma das aproximações que faz Sontag é entre Leiris e Norman Mailer - ambos envolvidos em uma "laceração" e "exposição" de suas subjetividades (o ensaio é de 1964, o que explica, em parte, a aparição de Mailer - cuja irrelevância, hoje, sessenta anos depois, é diretamente proporcional à pertinência e frescor da obra de Leiris). Algumas linhas depois dessa aproximação, já no fim do ensaio, Sontag toca um ponto importante: a conexão entre o livro de Leiris e seu contexto imediato de aparição, as vanguardas do início do século XX, a cena modernista - é esse ambiente que faz o livro de Leiris ser errático e inconcluso, pois deve ser lido como um dos elementos de um "projeto de vida", dentro do qual a literatura é uma "ação", que "leva a outras ações", escreve Sontag.   


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