domingo, 10 de março de 2024

Pare, olhe, escute



Onetti inicia seu romance Deixemos falar o vento, de 1979, com uma epígrafe de Pound (Do not move / Let the wind speak / That is paradise), que é precisamente a fonte de seu título, e com a seguinte frase inicial:

O velho já estava podre e me parecia estranho que só eu sentisse seu agridoce, tênue cheiro; que nem a filha nem o genro fizessem algum comentário. (trad. Maria de Lourdes Martini, Francisco Alves, 1981, p. 11)

Como de hábito, Onetti apela aos sentidos, mais do que ao raciocínio ou à lógica - em geral, esse é o campo de atuação de seus narradores e personagens: aquilo que ataca o corpo de imediato, os cheiros, as visões, aquilo que é percebido pelos sentidos (a "fala" do vento, desde o título-epígrafe).

*

Na edição de dezembro de 1979 da revista Poetry, Charles Simic publica o poema "Furniture Mover". Esse homem, encarregado de movimentar os móveis (de levar algo do ponto A ao ponto B, deslocando, mostrando as marcas deixadas por um hábito, como faz também a poesia), também sente o mundo no próprio corpo e, através de seus sentidos, reivindica uma experiência:

uma carga enorme
nas suas costas
e sob seu braço
assim
sempre

tudo em seu lugar
perfeito
exatamente como era
doce lar

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