quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Lendo Goethe no Congo

André Gide no Congo, 1927
Em janeiro de 1928, com o objetivo de dar uma conferência, André Gide vai a Berlim. Ele se encontra com Walter Benjamin em seu quarto de hotel e eles conversam durante duas horas. Benjamin foi enviado pelo Die literarische Welt, e foi o único jornalista que Gide aceitou receber. A conversa aos poucos caminha em direção à figura de Proust, a amizade de Gide com Proust, a tradução que Benjamin está fazendo da Recherche, e, finalmente, o ato de traduzir. Benjamin escreve:
Gide fez o que pôde, como tradutor, para popularizar Conrad, também se engajando de forma crítica com Shakespeare. Ouvimos falar de sua tradução magistral de Antony and Cleopatra.
Citando suas palavras, Benjamin diz que Gide não encontrou em Berlim a tranquilidade necessária para elaborar sua conferência. "Mas eu gostaria de lhe dizer algo sobre minha relação com a língua alemã", diz Gide, escreve Benjamin. Depois de um "intensivo e extensivo" período de estudo do alemão, Gide abandona o idioma, abruptamente, durante dez anos. "Minha atenção foi totalmente capturada pelo inglês", afirma ele, e continua:
Então, ano passado, no Congo, eu finalmente abri um livro alemão, depois de tanto tempo - As afinidades eletivas, e me dei conta de uma coisa: a leitura não ficou mais difícil, como eu imaginava, mas mais fácil.
Benjamin escreve que o tom de Gide ficou "insistente" quando ele afirmou que não foi a afinidade do inglês com a alemão que produziu essa facilidade, mas o fato de Gide ter se sentido "dramaticamente repelido de minha língua materna". Para traduzir, afirma Gide, escreve Benjamin, ou mesmo para dominar uma língua estrangeira, não importa tanto a língua escolhida, mas a capacidade de abandonar sua própria língua, sua língua de origem (Walter Benjamin, "Conversation with André Gide", Selected Writings, vol. 2, 1927-1934, traduzido ao inglês por Rodney Livingstone, Harvard University Press, 1999, p. 91-97).

6 comentários:

  1. Acabo de ler, em "The Social History of Truth" de Steven Shapin algo semelhante, sobre a figura do "stranger/estranho/estrangeiro" de Simmel cuja principal característica era a de ser objetivo. O exemplo por excelência era o euro-judeu, exatamente aquele que por circular em demasia não está atado a si-mesmo e, pelo visto, não com sua língua com quem se envolve e se desvencilha como se fosse uma amante hábil mas de moral duvidosa.

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    1. Gostei desse título, "The Social History of Truth", vou atrás.

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  2. Vou postar algo sobre ele em breve no blog, Kelvin. Mas é muito bacana, algo como Latour lendo Norbert Elias.

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    1. É bem produtiva e interessante essa coisa do errante, do estrangeiro, especialmente se aplicada à cena do encontro entre Gide e Benjamin - porque são dois modos completamente diversos de conceber a errância e a "revelação" decorrente da errância. Gide não conseguia ser outra coisa que profundamente cristão, nos motivos, temas e linguagem (para ele a revelação será sempre interna, auto-exame, e por isso o Congo aqui é quase irrelevante, podia ter acontecido em qualquer lugar, e marcar esse lugar só serve mesmo como aspecto negativo, como a dizer: "viu como o lugar não importa?"). Benjamin não, está sempre no fora, no olhar, nas Passagens, etc (como Jacó lutando com o Anjo).

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  3. Mas aí, Kelvin, existe um componente do cristianismo que é a noção de Deus como algo inteiramente Outro que remonta à teologia negativa e que oferece uma relação profundamente generosa com o estrangeiro - dado que Deus seria o Estrangeiro por excelência. Se Gide diz que a revelação pode se dar em qualquer lugar porque depende de auto-exame, alguém como Michel de Certeau vai dizer que a relação com o inteiramente outro demanda o reconhecimento de alteridade de menor escala, fazendo do auto-exame um percurso, uma viagem. O cristianismo não me parece ser o maior componente do valor ao lugar. É preciso, obviamente, saber qual cristianismo dado que auto-exame é, no seio da cristandade coisa que traz igualmente polêmica.

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  4. Agora, a noção do estrangeiro como o ente dotado de objetividade é coisa que rende. Muito. Ponto pro Simmel. Mais um.

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