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2) Renzi está conversando com Cueto, o fiscal do povoado, que lhe ameaça. "Não gosto do que o senhor escreve", diz Cueto. "Nem eu", responde Renzi. "Não se meta onde não é chamado", insiste Cueto. Adotara agora o tom descuidado e frio dos matadores dos filmes, interfere o narrador, e prossegue, trazendo uma das notas de Renzi: O cinema, segundo Renzi, ensinara todos os provincianos a parecer cosmopolistas e canalhas [algo que poderia inclusive ter sido anotado por Manuel Puig, porque viu e viveu esse ensinamento].
3) Pouco antes, Renzi comenta com alguém do jornal a descoberta do corpo de um suicida. Alguém chamou o comissário Croce, que estava jantando com Renzi e o chamou para ir junto. Ah, ele levou você... diz o sujeito que conversa com Renzi no jornal: Você vai terminar escrevendo Os casos do comissário Croce... E Renzi lhe responde: Boa ideia. Talvez haja uma seção na caderneta de Renzi reservada para os projetos de livros futuros, e talvez por isso um projeto que já vinha com título ["Os casos do comissário Croce", com seus ecos de Chesterton] lhe pareceu uma boa ideia.
4) Mais adiante, Croce está no manicômio. Foi traído por seu auxiliar e aposentado à força. Começou a escrever cartas anônimas contando os podres do povoado. Foi internado. Renzi vai visitá-lo [talvez já tenha feito algum diagrama, esboçado algumas notas para Os casos do comissário Croce], leva uma lata de pêssegos e um frango assado. Croce lhe fala de Saldías, aquele judas, que me acusou de chegar a conclusões pouco científicas, diz Croce a Renzi, e continua: Pergunto a ele: 'o que você quer dizer com isso?'. E ele me responde: 'que não se trata de uma dedução, mas de uma indução'. Talvez Renzi faça uma anotação mental e lembre da polêmica entre Roger Caillois e Borges nas páginas da revista Sur, na década de 1940, sobre as diferenças entre o gênero policial tal como praticado na França e sua versão inglesa [um debate que transcorria justamente por essas categorias de indução e/ou dedução].
5) Croce está no manicômio e nada pode fazer para seguir com sua investigação - interrompida pelo corrupto fiscal Cueto. Quando Renzi o visita, Croce o coloca a par de suas últimas "induções" e lhe dá uma série de tarefas. Você trouxe lápis e papel?. Trouxe, disse Renzi. Vou ditar para você. Venha, vamos dar uma volta. Renzi responde: Não consigo escrever andando. Croce: Você para, escreve e depois continua andando. De modo que Renzi acumula notas e, ao sair do manicômio, passando de ônibus pelos arrabaldes do povoado, pensa que ele é a conexão de Croce com o mundo real, o auxiliar que a grande inteligência precisa para repassar e sedimentar suas especulações. Croce parecia ter-lhe confiado uma missão, como se sempre tivesse necessidade de alguém para conseguir pensar claramente, é o que diz o narrador. Alguém neutro para ir até a realidade e reunir dados.
6) "Reunir dados": uma prática etnográfica que Renzi conhece muito bem, que pratica há anos e que constitui, grosso modo, sua forma de ver o mundo. Renzi lera tantos romances policiais que conhecia o mecanismo muito bem, continua o narrador, no mesmo contexto citado acima. Ou seja, Renzi conhece o mecanismo de colaboração que movimenta o gênero policial [e nesse ponto a cobra morde o próprio rabo, porque a capacidade de observação de Renzi - sua capacidade de tomar notas e registrar os detalhes encobertos do real - é colocada sob a guarda de seu arquivo de leituras, e já não sabemos o que veio primeiro, a anotação ou a leitura].
3) Pouco antes, Renzi comenta com alguém do jornal a descoberta do corpo de um suicida. Alguém chamou o comissário Croce, que estava jantando com Renzi e o chamou para ir junto. Ah, ele levou você... diz o sujeito que conversa com Renzi no jornal: Você vai terminar escrevendo Os casos do comissário Croce... E Renzi lhe responde: Boa ideia. Talvez haja uma seção na caderneta de Renzi reservada para os projetos de livros futuros, e talvez por isso um projeto que já vinha com título ["Os casos do comissário Croce", com seus ecos de Chesterton] lhe pareceu uma boa ideia.
4) Mais adiante, Croce está no manicômio. Foi traído por seu auxiliar e aposentado à força. Começou a escrever cartas anônimas contando os podres do povoado. Foi internado. Renzi vai visitá-lo [talvez já tenha feito algum diagrama, esboçado algumas notas para Os casos do comissário Croce], leva uma lata de pêssegos e um frango assado. Croce lhe fala de Saldías, aquele judas, que me acusou de chegar a conclusões pouco científicas, diz Croce a Renzi, e continua: Pergunto a ele: 'o que você quer dizer com isso?'. E ele me responde: 'que não se trata de uma dedução, mas de uma indução'. Talvez Renzi faça uma anotação mental e lembre da polêmica entre Roger Caillois e Borges nas páginas da revista Sur, na década de 1940, sobre as diferenças entre o gênero policial tal como praticado na França e sua versão inglesa [um debate que transcorria justamente por essas categorias de indução e/ou dedução].
5) Croce está no manicômio e nada pode fazer para seguir com sua investigação - interrompida pelo corrupto fiscal Cueto. Quando Renzi o visita, Croce o coloca a par de suas últimas "induções" e lhe dá uma série de tarefas. Você trouxe lápis e papel?. Trouxe, disse Renzi. Vou ditar para você. Venha, vamos dar uma volta. Renzi responde: Não consigo escrever andando. Croce: Você para, escreve e depois continua andando. De modo que Renzi acumula notas e, ao sair do manicômio, passando de ônibus pelos arrabaldes do povoado, pensa que ele é a conexão de Croce com o mundo real, o auxiliar que a grande inteligência precisa para repassar e sedimentar suas especulações. Croce parecia ter-lhe confiado uma missão, como se sempre tivesse necessidade de alguém para conseguir pensar claramente, é o que diz o narrador. Alguém neutro para ir até a realidade e reunir dados.
6) "Reunir dados": uma prática etnográfica que Renzi conhece muito bem, que pratica há anos e que constitui, grosso modo, sua forma de ver o mundo. Renzi lera tantos romances policiais que conhecia o mecanismo muito bem, continua o narrador, no mesmo contexto citado acima. Ou seja, Renzi conhece o mecanismo de colaboração que movimenta o gênero policial [e nesse ponto a cobra morde o próprio rabo, porque a capacidade de observação de Renzi - sua capacidade de tomar notas e registrar os detalhes encobertos do real - é colocada sob a guarda de seu arquivo de leituras, e já não sabemos o que veio primeiro, a anotação ou a leitura].
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