quarta-feira, 7 de julho de 2021

Walser, Nietzsche


1) O abismo que Magris encontra na literatura de Walser é o abismo que Walser já havia encontrado na obra de Nietzsche (mesmo que não o tenha lido diretamente, viveu com sua geração os ecos e reverberações de sua figura e seus escritos), especialmente aquele célebre abismo que surge no aforismo 146 de Além do Bem e do Mal, publicado em 1886: "Aquele que combate monstros deve cuidar para que ele próprio não se torne um. E se olhar tempo demais para o interior de um abismo, o abismo olha de volta para você".

2) É em parte desse "niilismo" de que fala Magris em seu livro - uma tendência a imaginar o pior, uma predisposição ao pior cenário possível em qualquer situação, uma confiança na capacidade humana de sempre mostrar seu lado escuso (algo que Flaubert já investigava pelo viés da "estupidez", uma estupidez que ele muitas vezes acreditava contagiosa - a documentação maníaca para Salammbô (1862) como uma espécie de antídoto à imersão na vida mesquinha e limitada de Madame Bovary (1857), que o tragou como um abismo).

3) O jogo de espelhos que envolve aquele que combate monstros até se tornar, também ele, um monstro: "O tema do traidor e do herói", conto que Borges publica primeiro na revista Sur e, em 1944, em livro. Borges conta a história de um traidor que é transformado em herói em nome de uma "causa revolucionária", marcando, contudo, essa transformação de um extremo a outro com uma série de referências literárias (é a partir dessas referências - Júlio César e Macbeth de Shakespeare - que a farsa é lida e decifrada muito tempo depois).

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