quinta-feira, 15 de julho de 2021

O filho do amigo

1) Em dezembro de 1921 a revista Cosmópolis, de Madri, publica uma antologia intitulada "Lírica argentina contemporânea", organizada por um jovem Jorge Luis Borges (ele nasceu em 24 de agosto de 1899). É interessante notar que a antologia se abre com um poema de Macedonio Fernández, e não qualquer poema, mas um poema intitulado "Ao filho de um amigo" - o amigo em questão era Jorge Guillermo Borges Haslam, o pai de Borges, precisamente o "filho" que recebe o poema.

2) No comentário que coloca logo depois do poema, Borges fala de Macedonio como "talvez o único genial que fala nesta antologia", "homem definitivo e pensador, não secundário e de reflexo", que "vive plenamente sua vida", que prefere falar a escrever: "é lícito supor que durante séculos psicólogos e metafísicos se ocuparão em redescobrir as genialidades que ele já encontrou, limou, aquilatou e silenciou" (toda a antologia está disponível no volume Textos recobrados, 1919-1929).

3) O espaço de fundação da "lírica contemporânea" é uma extensão da casa, do espaço doméstico e familiar - Macedonio, amigo íntimo do pai de Borges, de quem foi colega na universidade, faz do filho alheio uma sorte de discípulo, funcionando como um elo de ligação entre os escritores mais velhos (de sua geração, da geração do pai de Borges) e o novo panorama que Borges testava no intervalo Buenos Aires / Genebra. A antologia - publicada em uma revista da Espanha - não é representativa de um momento específico da poesia de um lugar, e sim um decalque dos encontros sociais na casa da família de Borges - é surpreendente, pensando na sobriedade de sua fase tardia, que Borges tenha achado pertinente - em uma de suas primeiras aparições na "esfera pública" - abrir uma antologia de poesia com um poema que o elogiava de forma tão descaradamente doméstica, quase pueril. 

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