1) Karl Kraus, portanto, com seu uso peculiar (crítico, irônico) da citação, incide diretamente sobre o trabalho que pouco adiante tanto Walter Benjamin quanto Brecht realizarão a partir da citação (no caso de Brecht, desde os exemplos óbvios dos poemas e das peças que citam elementos da imprensa contemporânea, até o exemplo talvez mais bem acabado dos seus Diários de trabalho, nos quais a citação está tanto no texto quanto na imagem).
2) Para Kraus, a citação é fundamental tanto para seu estilo de polemista nos números da revista Die Fackel (torcendo e implodindo as palavras alheias) quanto para a construção de sua enorme peça, sua obra-prima construída com a citação dos dizeres de centenas de personagens, Os últimos dias da humanidade. Roberto Calasso, em Os 49 degraus, escreve sobre a peça de Kraus: "Para escrever Os últimos dias da humanidade, Kraus não precisou de quase nenhum acréscimo ou mudança de perspectiva, em relação às suas crônicas locais. Recolheu seus materiais costumeiros e deixou que sobressaíssem contra um novo fundo. (...) A epifania que havia fulgurado Kraus é a mesma que havia retraído e tornado febris os últimos anos de Flaubert: a prodigiosa erupção da bêtise como encaminhamento de uma nova era" (p. 162-163).
3) Calasso cita Flaubert porque indica o trabalho preparatório ao romance (inacabado, póstumo) Bouvard et Pécuchet como "o equivalente em tempo de paz" às 792 páginas da peça de Kraus (o material de Flaubert é composto de citações - substrato não só do romance, mas também do "dicionário de ideias feiras" que o encerra - e enche oito tomos de 300 páginas cada, disponíveis para consulta no Centre Flaubert). A articulação Flaubert-Benjamin não poderia estar mais clara, fascinado como era este último por Paris como "capital do século XIX". Mas o elo que se dá entre Flaubert-Kraus-Benjamin-Brecht só pode ser apreendido quando se coloca em primeiro plano a questão da citação (próprio x alheio; tradição x subjetividade; originalidade/aura x procedimento/reprodução).
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