1) Em um filme de Billy Wilder de 1943, Five Graves to Cairo, o dispositivo da "carta roubada" (criado por Edgar Allan Poe em 1844) é mais uma vez solicitado, agora tendo como cenário o norte da África durante a II Guerra Mundial (britânicos contra o temido Afrika Korps de Rommel). É Rommel quem indica o mapa da região para o sujeito que ele acredita ser seu espião, afirmando que os ingleses fazem força para perceber o que está escondido (criptografado, embaralhado) e não conseguem ver o que está na superfície, o óbvio, o mais evidente. A "carta roubada" de Rommel são as próprias letras da palavra E G Y P T escrita no mapa (cada letra indica a localização de uma carga de suprimentos nazistas enterrados antes da guerra).
2) Rommel fala aos oficiais britânicos: "vocês tem o sexto sentido, nós temos apenas cinco - mas nós usamos!". A frase está diretamente ligada ao uso do dispositivo "carta roubada": os nazistas não inventam nem improvisam, utilizam aquilo que está à mão, disponível (o que está longe de corresponder à situação histórica, como prova a máquina Enigma). A visão do mapa se combina com uma cena anterior, na qual Rommel usa saleiros para explicar a estratégia de progressão nazista pelo norte da África: de um lado a outro, da esquerda para a direita, como quem lê ou escreve, nazistas perseguindo britânicos, britânicos perseguindo nazistas (a composição das duas cenas faz pensar no "paradigma indiciário" de Ginzburg, na relação entre narrativa e caça, entre perseguição e capacidade de "gerar sentido" - para Ginzburg, o caçador que lê os rastros da presa é como o especialista em arte que lê os detalhes dos quadros (lóbulos, dedos), como Sherlock Holmes, como Freud lendo os lapsos e os chistes).
3) Outro detalhe do filme evoca as ideias de Edward Said em Cultura e imperialismo, ou seja, a relação tradicional entre poder político e poder cultural (desde as viagens de Heródoto até a Commission des Sciences et des Arts de Napoleão no Egito). Descobrimos que um professor e arqueólogo anteriormente mencionado é o próprio Rommel disfarçado (mais uma carta roubada), que antes da guerra foi ao norte da África com a desculpa da "ciência", mas cuja missão era enterrar toda aquela carga de suprimentos para uma guerra que ainda não havia começado (dos tantos arqueólogos alemães podemos lembrar Heinrich Schliemann, um dos heróis de infância de Freud, que descobriu Troia em 1873).
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