quinta-feira, 30 de julho de 2020

Com Borges


1)
 Com Borges é o livro que traz um resgate autobiográfico de um período no qual Alberto Manguel ainda não era um autor, mas somente um adolescente que se transforma em leitor de Jorge Luis Borges. De 1964 a 1968, em algumas noites da semana, Manguel se encaminhava ao apartamento de Borges para ler em voz alta, uma vez que o autor, cego, já não conseguia fazê-lo sozinho. Juntos, revisitavam antigos volumes da biblioteca, e o que para Borges era um reencontro, para o jovem Manguel era o primeiro contato com inúmeras referências. 

2) O dono da casa ensina ao adolescente, quase sem querer, todo um método de leitura atenta e detalhista – Borges ensinava, escreve Manguel, “não apenas compartilhando comigo sua paixão por esses grandes escritores, mas também me mostrando como trabalhavam, desmontando os parágrafos com a intensidade amorosa de um relojoeiro”. Assim como a de todos os leitores, a biblioteca de Borges, completa Manguel, “era sua autobiografia”. “Para Borges, o âmago da realidade estava nos livros: em ler livros, escrever livros, conversar sobre livros”, escreve Manguel, e continua: “De maneira visceral, ele sabia que dava continuidade a um diálogo iniciado havia milhares de anos, o qual ele acreditava que nunca terminaria. Livros restauravam o passado”. 

3) Além disso, Borges renovou a língua espanhola: seus métodos de leitura, escreve Manguel, permitiram que desse ao espanhol “características de outras línguas”, como “expressões do inglês” ou a “habilidade alemã de segurar o sujeito até o fim da frase”. Nesse aspecto, é possível relembrar o caso de Juan Rodolfo Wilcock, borgeano inclusive nesse aspecto da renovação da língua espanhola: depois de passar do espanhol para o italiano em fins da década de 1950, Wilcock transforma toda língua em língua estrangeira, mesmo a língua materna (de resto, era um esforço que vinha se consolidando desde antes, quando Wilcock, ainda em Buenos Aires, já era tradutor de Kafka e Eliot, por exemplo).

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