quarta-feira, 17 de junho de 2020

O mal menor


Walter Benjamin publica seu ensaio sobre Karl Kraus em 1931 (quando sai a primeira adaptação cinematográfica de Berlin-Alexanderplatz, de Döblin), ano-chave em sua vida (está estabelecido em Berlim, com razoável conforto e razoável quantidade de trabalho pago - em carta a Scholem ele diz que conseguiu, durante essa temporada em Berlim, não só reunir todos seus pertences em um mesmo lugar - livros, coleções, móveis - mas também ampliar sua biblioteca de 1.200 para 2.000 itens). 

O ano de publicação do ensaio sobre Kraus é também um ano de inflexão na vida de ambos: o projeto de Hitler fica cada vez mais claro e o clima de intolerância se faz cada vez mais presente (em poucos meses Benjamin se dá conta que sua carreira como crítico estará ameaçada na Alemanha, já que os veículos da imprensa começam pouco a pouco a recusar seus textos; do lado de Kraus: ao observar a ascensão de Hitler, Kraus investe na perspectiva do "mal menor" (Politics of the Lesser Evil, como escreve Anton Pelinka) e passa a apoiar o político de extrema-direita Engelbert Dollfuss - esse apoio escandaliza não só Benjamin, mas vários outros intelectuais).

O ensaio de 1931, contudo, é apenas o efeito de superfície de uma relação que Benjamin estabelece com Kraus ao longo de muitos anos - Die Fackel, a revista de Kraus, começa a ser lançada em 1899, e Benjamin se transforma em seu leitor já muito cedo, incorporando em seus textos menções tanto a Kraus quanto a temas e polêmicas levantadas por ele em sua revista. É decisivo perceber que o ensaio de Benjamin sobre Kraus não é apenas sobre o objeto imediato declarado no título, tocando em uma série de pontos que Benjamin desenvolve antes e depois em sua obra: o messianismo, a relação entre materialismo e teologia, a filosofia da linguagem, o comprometimento político do escritor/artista e, por fim, a relação subterrânea da alegoria barroca com a linguagem crítica das primeiras décadas do século XX.

Nenhum comentário:

Postar um comentário