sexta-feira, 26 de junho de 2020

Kraus, Huysmans


1) Por alguma razão, o estilo de Kraus (ele próprio e também seu fantasma tal como evocado por Canetti e Benjamin) me faz pensar em Huysmans, o escritor francês Joris-Karl Huysmans. Penso também na incerta aproximação temporal - Huysmans morre em 1907, e até esse ponto Kraus já havia fundado Die Fackel e publicado dois livros (Die demolierte Literatur, 1897, e Eine Krone für Zion, 1898). Mas o que decide a questão é a insistência em uma dificuldade do estilo, algo que diz respeito tanto à ligação quase religiosa com a língua de ambos quanto ao desejo de construir uma comunidade de leitores devotos e dedicados.

2) Aprofundando, é possível encontrar em Kraus e Huysman um tom compartilhado de pessimismo, ironia e deboche, sem esquecer a dificuldade da linguagem e acrescentando, como terceiro elemento, uma erudição que não se apresenta apenas pelo acúmulo de referências, mas pelo jogo associativo que leva de uma a outra. Ambos são profundamente pessimistas e descrentes dos caminhos disponíveis para seus contemporâneos - Kraus e Huysman reconhecem a estupidez de seus pares e ambos escreveram centenas de páginas com o intuito de denunciar (e troçar) tal estupidez.

3) O aspecto religioso é também central: o judeu Kraus faz uma conversão secreta ao catolicismo, recebendo o batismo em 8 de abril de 1911; Huysman, nascido católico, abandona a igreja, abraça o "satanismo" (centro irradiador do romance Là-bas, de 1891) e volta à religião nas últimas obras. Ambos investiram também no autorretrato, na auto-representação do autor como personagem - Huysman com Durtal, protagonista de sua trilogia final de romances; Kraus com o personagem central de sua grande obra, Os últimos dias da humanidade, chamado de "o Eterno Descontente".

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(em esforço análogo ao que tento aqui, mas de modo mais amplo e bem-sucedido, Francisco Álvez Francese aproxima Kraus de Oscar Wilde, aqui)

2 comentários:

  1. Há também muita coisa em comum entre o pŕóprio Huysman e Wilde, né? A relutância em aceitar um modelo de ficção naturalista talvez seja o principal ponto de contato entre eles. Penso em "Declínio da mentira", de lado; e os textos nos quais Huysman se contrapõe virulentamente à literatura naturalista, de outro.

    Vida longa ao blog, Kelvin! Nunca vou me cansar de dizer isso, cara, rs. Que satisfação é poder acompanhar seus posts, rs. Gracias! :)

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