terça-feira, 23 de junho de 2020

Jameson, 1990


1)
Mantendo em mente aquilo que escreve Susan Buck-Morss sobre a tríade Kraus-Benjamin-Adorno, é instrutivo resgatar a abordagem posterior de Fredric Jameson, em seu livro de 1990, O marxismo tardio: Adorno, ou a persistência da dialética. A filosofia de Adorno é "dodecafônica", escreve Jameson, com "configurações e constelações que ela, ao mesmo tempo, descobre em seu caminho e inventa". O que há de "radicalmente original" em Adorno, continua Jameson, "como prática e como micropolítica filosófica" (que "já não tem muito em comum com Benjamin") é o seu "desenvolvimento da sentença dialética", cujo precursor "mais verossímil" não seria nem Marx, nem Nietzsche, nem Benjamin, "mas o extraordinário escritor retórico Karl Kraus".

2) Para Jameson, Adorno encontra em Kraus (e esse é um dos pontos principais que permite - como um condutor - a influência de Benjamin sobre ele) um "paradigma de sintaxe expressiva", uma linguagem filosófica que está em constante processo de auto-estranhamento (é preciso lembrar o livro de Jameson sobre Brecht, de 1998, e ter isso em mente quando ele recorre ao formalismo russo algumas páginas depois de trazer Kraus, nesse mesmo livro sobre Adorno que estou comentando). De Kraus, vem certa "maquinaria de estrutura de sentenças", continua Jameson, que é mobilizada "para transmitir significado bem além de seu conteúdo imediato como mera comunicação e denotação".

3) Jameson completa afirmando que a Kraus se aplica a ideia benjaminiana de uma "mimese não representacional", que será importante também para Adorno (e Jameson busca traçar as mudanças da importância de tal conceito na obra de Adorno até a Dialética negativa, de 1966, passando tanto pelos trabalhos com Horkheimer quanto por Minima moralia). Jameson defende ainda que tanto Benjamin quanto Adorno usam sistematicamente certos "termos mágicos", "evocados para explicar tudo, sem, por sua vez, serem explicados" - mas que, ao mesmo tempo, libertam "um pensamento e uma linguagem", "permitindo-lhes efetuar seu trabalho" (Jameson singulariza o termo "aura" para Benjamin e "mimese" para Adorno; é possível acrescentar que esse abandono à potência "mágica" da linguagem e da conceitualidade remete também a Kraus).


(Fredric Jameson, O marxismo tardio: Adorno, ou a persistência da dialética, trad. Luiz Paulo Rouanet, UNESP/Boitempo, 1997, p. 89-91)

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