quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Diferença, repetição

1) Existem, no Estado asteca, escreve Todorov em A conquista da América, duas escolas, uma para guerreiros, outra para sacerdotes e juízes. A segunda, chamada calmecac, dedica-se especialmente ao verbo: "ensinavam-lhes cantos, chamados de cantos divinos, e que estavam escritos nos livros. E também lhes ensinavam a contar os dias, e o livro dos sonhos, e o livro dos anos", cita Todorov (p. 108-109) a partir do Codex Florentino. O calmecac, continua Todorov, é uma escola de interpretação e de oratória, de retórica e hermenêutica. 
2) O detalhe importante com relação a essa hermenêutica asteca é que ela é sempre baseada na tradição, no que já está socialmente dado de antemão: "não se trata de dar uma resposta engenhosa, mas a resposta certa, isto é, tradicional. Nesse mundo dominado pela tradição, sobrevém a conquista: um acontecimento absolutamente imprevisível, único" (p. 117-118). Aí está o paradoxo: é precisamente essa unicidade do evento (espanhóis) que gera a necessidade de ser interpretado (pelos astecas) como algo que se repete. Não é também esse o ensinamento socrático de Platão, de que todo conhecimento é um reconhecimento? Não é também em grande medida essa a justificativa da "conquista", tirar os índios das sombras da caverna do paganismo em direção à luz da cristandade? De resto, é justamente contra Platão (e a partir de Nietzsche) que Deleuze propõe a oscilação entre diferença e repetição.   
3) Todorov defende que essa era a mesma mentalidade de Colombo em suas viagens, diante do Novo Mundo: aquilo que se apresenta é sempre repetição e deve se conformar ao tradicional (suas referências são a Ásia, os mouros, as cruzadas, o Tejo, etc, é um homem da Idade Média que inaugura a Modernidade). Essa resistência de Colombo talvez justifique a observação de Freud de que, afinal de contas, ele não dá nome à sua descoberta. A própria dinâmica da hermenêutica como repetição dos astecas (e de Colombo) faz pensar novamente na psicanálise, especialmente na definição dada por Karl KrausA psicanálise é aquela doença mental para a qual ela própria se considera uma terapia. Ou seja, solução para um problema que foi ali colocado respondendo ao desejo de solução (essa é a própria economia da "descoberta" do Novo Mundo).     

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