1) A questão da tradução é constante no projeto europeu de conquista e devastação das Américas. Cortez, escreve Todorov em A conquista da América, é "o primeiro a possuir uma consciência política, e até mesmo histórica, de seus atos", "são os signos que interessam a ele em primeiro lugar, não os referentes. A primeira ação importante que executa - a significação deste gesto é incalculável - é procurar um intérprete" (p. 143). Ao contrário de Colombo, Cortez busca intérpretes para, na medida do possível, entender o novo a partir de seu contexto - Europa e América não como derivas independentes que se chocam, e sim como duas linhas que a partir desse momento serão entrelaçadas.
2) O início do projeto de interpretação de Cortez se dá de forma tortuosa: um náufrago de uma expedição anterior, Jerónimo de Aguilar, domina a língua dos maias; em seguida, surge a Malinche, asteca vendida como escrava aos maias, dada de presente aos espanhóis. Cortez fala a Aguilar, que traduz o que ele diz para Malinche, que por sua vez se dirige ao interlocutor asteca. Sobre a Malinche, escreve Todorov: "ela é o primeiro exemplo, e por isso mesmo o símbolo, da mestiçagem das culturas; anuncia assim o Estado mexicano moderno e, mais ainda, o estado atual de todos nós, que, apesar de nem sempre sermos bilíngues, somos inevitavelmente bi ou triculturais" (p. 147). Veríamos aí então uma semente possível de um cenário de atravessamentos linguísticos e culturais, explorado e vivenciado recentemente (na ficção) por Kundera, Aleksandar Hemon, Andrei Makine, Nabokov, Conrad e tantos outros.
3) Serge Gruzinski, por sua vez, (em A guerra das imagens) comenta o assombro de alguns espanhóis quando chegaram ao Novo Mundo: pensaram que estavam diante dos judeus expulsos por Tito Vespasiano durante a destruição de Jerusalém, no ano 70 da Era Comum (Flávio Josefo, o historiador judaico, conta que o cerco foi tão severo que uma mãe comeu seu próprio bebê). Vários fatores contribuíram para esse equívoco: a) acharam que os índios também eram circuncidados; b) estavam com a mente tomada pela luta contra os infiéis (Granada havia sido retomada dos mouros em 1492); c) confundiam as "pirâmides" astecas com mesquitas. Essa aproximação aparentemente absurda é mais uma manifestação da paranoia religiosa da época, constituindo uma tentativa de homogeneização da diferença para, a partir disso, dominar os próprios medos. Um medo típico da época: reencontramos aqueles que outrora expulsamos e a sorte pode, talvez, virar.
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