Roberto Rossellini, Paisà, 1946 |
2) O Corredor Vasariano servia para que o dirigente pudesse ir da casa ao trabalho sem ter contato com o povo. Passa por cima de uma ponte, contorna uma torre medieval, invade o átrio de uma igreja, se mistura ao tecido urbano para reaparecer em seguida, signo de ostentação e de conspiração. Nada mais absurdo e megalomaníaco do que construir um corredor suspenso sobre a cidade para evitar a massa. Mussolini, em 1938, reinscreve o gesto de Cosimo no contexto do fascismo, mantendo essa tensa convivência entre exposição e segredo. Porque o Corredor serve tanto para esconder o soberano quanto para atestar permanentemente seu poder e sua exceção, atestar para o povo que ele está acima das leis de organização social.
3) Para a visita de Hitler, Mussolini ordena a reconstrução de um trecho do Corredor, substituindo as janelas pequenas por janelas amplas, que permitam a observação panorâmica do rio e da cidade - é provável que a magnificência do Corredor tenha contribuído para que o Ponte Vecchio tenha sido a única ponte de Florença não destruída pelos nazistas durante a retirada. Depois de Vasari e Cosimo, Hitler e Mussolini, o Corredor é apropriado uma terceira vez, agora por Roberto Rossellini, em 1946, com Paisà: o Corredor serve não para o passeio triunfante dos ditadores, mas para a ação clandestina dos resistentes, simbolizando a ligação instável entre o lado liberado do rio e aquele ainda ocupado pelos nazistas - um mesmo espaço geográfico, um mesmo percurso, contém em si duas narrativas irreconciliáveis, mas sobrepostas (a destruição das pontes de Florença e a quase-destruição do Corredor lembram os quadros de Van Gogh destruídos em bombardeios; lembram os afrescos de Uccello em Santa Maria Novella, em péssimo estado de conservação, que Vasari descreve como contendo "um número infinito" de animais, "aquáticos, terrestres e voadores").
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