segunda-feira, 14 de julho de 2014

3 notas sobre o deslocamento

Como esboçado aqui, trata-se de pensar a dimensão retórica do deslocamento geográfico - como a escritura tenta dar conta, em sua dinâmica, em sua concatenação progressiva, do próprio percurso que narra (como se fosse a segunda camada desse percurso, um suplemento feito de linguagem para um percurso geográfico que, no fim das contas, também não passa de abstração).
1) A descida ao Sul em Borges - lugar de suspensão do tempo, de contato entre o passado distante e o instante imediato, em que certas palavras já não servem e outras devem ser ressignificadas; o mesmo em Sciascia, em direção ao Sul da Sicília - também o cuidado de um novo idioma, que deve ser aprendido em termos de sobrevivência (se em Borges a comunicação dificultosa leva ao duelo, à faca, em Sciascia deve-se estar atento também aos silêncios, àquilo que não se pode comentar ou dizer da máfia).
2) Salvatore Satta, O dia do Juízo - um livro sobre os caminhos da Sardenha, sobre os fantasmas que, segundo Satta, rondam tais caminhos, sobre o progressivo abandono da vida nesses caminhos, dada a exaustão provocada em seus habitantes por esse espaço inóspito (exaustão progressiva que Satta procura emular com seu próprio estilo). Em seu ensaio sobre o romance de Satta, George Steiner fala de seu próprio desejo de percorrer esses caminhos (apesar do medo que sentia dessa geografia conhecida pela violência), de como de fato viajou a Nuoro atrás dos caminhos de Satta.
3) Essa rota antiga dos homens perversos de Satta (retomando o título de Girard) é reencenada em As nuvens, de Juan José Saer: uma caravana de loucos atravessa o país, e é o próprio discurso da razão, da técnica, da civilização que os move adiante (Weiss, o psiquiatra holandês), e é esse mesmo discurso - aparentemente coeso, inquebrantável - que vai aos poucos sendo minado pelo discurso dos loucos, pelo discurso dos bandoleiros (o cacique Josesito, educado pelos jesuítas, mas que desertou).
 

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