Napoleão por Antoine-Jean Gros. Retratado aos vinte e sete anos, o período no qual se passa A cartuxa de Parma, de Stendhal. |
2) Roberto Bolaño, assim como Sciascia, separou uma parte de sua biblioteca especialmente para Stendhal - cujos livros ele não emprestava a ninguém. Mas a marca mais profunda está num dos versos de seu longo poema "Um passeio pela literatura", incluído no livro Tres - Bolaño sonha com o fantasma de Stendhal: Soñé que leía a Stendhal en la Estación Nuclear de Civitavecchia [cidade italiana na qual Stendhal foi cônsul francês]: una sombra se deslizaba por la cerámica de los reactores. Es el fantasma de Stendhal decía un joven con botas y desnudo de cintura para arriba.
3) Stendhal é brilhante especialmente na costura de seus romances, no dinamismo que utiliza para a construção de suas tramas - sua capacidade de montar pequenos relatos independentes dentro da narrativa. Um exemplo, nas primeiras páginas d'A cartuxa de Parma:
Em maio de 1796, três dias depois da entrada dos franceses em Milão, um jovem pintor miniaturista, meio louco, chamado Gros [Antoine-Jean Gros, 1771-1835, pintor romântico, autor de vários retratos de Napoleão], célebre desde então, e que viera com o exército, ouvindo contar no grande Café Servi as façanhas do arquiduque, que para completar era enorme, pegou a lista dos sorvetes impressa numa folha de papel pardo ordinário. No verso da folha desenhou o gordo arquiduque; um soldado francês lhe dava um golpe de baioneta na barriga, e em vez de sangue dali saía uma quantidade incrível de trigo [o arquiduque estava roubando dos camponeses]. Essa coisa chamada de pilhéria ou caricatura não era conhecida nesse país de despotismo cauteloso. O desenho deixado por Gros em cima da mesa do Café Servi pareceu um milagre caído do céu; foi gravado durante a noite e no dia seguinte o venderam a vinte mil exemplares.Stendhal, A cartuxa de Parma. Tradução de Rosa Freire d'Aguiar. Penguin-Companhia, 2012, p. 33.
Sebald o usou como personagem em Vertigem, e algo me diz que o próximo texto será sobre isso.
ResponderExcluirhaha bem lembrado, Paulo... Não posso queimar todos os cartuchos em uma batalha, não é verdade?
ResponderExcluirVocê lembra daquela cena em "Matrix", na qual o protagonista visita o Oráculo e ela lhe diz, "Não se preocupe com o vaso", e, no momento em que ele pergunta "Qual vaso?" o vaso se quebra... Será que eu escreveria sobre Sebald se você não tivesse dito nada?
Abraço e obrigado pelo comentário
Penso que escreveria, pois dei um tiro certeiro. Sebald tem 27 marcações em suas tags, e fez uma bela narrativa sobre Henri Beyle; é de se esperar. Por outro lado, este "bem lembrado" me deixa em dúvida, e sempre há a possibilidade de não acontecer, não é? (Mesmo porque a cena do Oráculo não teria tanta graça sem essa dúvida).
ResponderExcluirSobre Stendhal (só li O Vermelho e o Negro): realmente adorável. Vejo uma ligação entre Sorel e vários outros personagens megalomaníacos que transitam entre o ridículo, o grotesco e o grandioso, como o Quixote, o Herzog, o Ignatius de Toole, entre outros. Ah, e me lembro de alguma personagem de Proust que alegava ser ele, Stendhal, uma companhia não muito interessante em seus jantares. Será?
Sobre Napoleão: você chegou a ler aquele romance sagaz e divertido, A Morte de Napoleão, de Simon Leys?
Sebald vai aparecer: isso é certo, ele sempre aparece. Sebald é incontornável - ele marcou todas as posições do pensamento sobre a memória e a modernidade.
ExcluirConheço esse livro do Leys, mas não li - você recomenda? Do Leys li "Os náufragos do Batávia", que é excelente.
Confesso que li o outro post praticamente esperando o Sebald.
ResponderExcluirRecomendo esse livro sim. Nada que mude a vida de alguém, mas é bem escrito e muito divertido. Curiosamente, o comprei sem conhecer, por fetiche, porque gostei do que li dessa coleção de livrinhos da Companhia das Letras, e vejo que há um ensaio dele na última Serrote.
* E SÓ AGORA vejo que há...
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