1) A partir das cadernetas de Meyer Schapiro, um deslizamento por analogia: os Cadernos da viagem à China, de Roland Barthes (tradução de Ivone Castilho Benedetti. WMF Martins Fontes, 2012). Barthes não está na seleção que Didi-Huberman faz para seu Atlas, ainda que os Cadernos da viagem à China contenham alguns desenhos - nada, porém, que se compare à constância e qualidade das anotações de Schapiro. Barthes faz poucos desenhos: algumas cabeças, penteados, feições, alguns gestos. Seus Cadernos, no entanto, tem a mesma pulsão de incompletude das cadernetas de Schapiro, e com elas também compartilham a urgência de um trabalho que deve dar conta de um tempo veloz, de uma experiência fluida e difícil de apreender.
2) O foco principal de Barthes, esteja ele na China ou na França (ou no Marrocos), é sempre a linguagem: muitas de suas anotações dizem respeito ao discurso dos chineses, a oscilação entre a espontaneidade (sempre rara) e a fala pronta, oficial, burocrática (aquilo que Barthes chama de "blocos"). Quase no fim da viagem, um apontamento surpreendente, que faz tremer toda a argumentação e a experiência de Barthes até ali: Atenção, escreve Barthes em 30 de abril de 1974, os blocos talvez estejam na tradução, pois muitas vezes discurso abundante de alguém, que provoca riso nos outros, mas se reduz a um bloco, a um significado, quando sai traduzido.
3) Como entender a China sem entender a língua? Barthes parece cercar um problema impossível, esmurrando de forma infrutífera uma muralha de alteridade radical. Os Cadernos mostram um Barthes desprovido de suas ferramentas - a China não lhe oferece terreno seguro, todos seus questionamentos se dissolvem. Não há sexualidade, não há moda, não há diferença entre feminino e masculino, Barthes não encontra signos legíveis, não consegue interpretar o que vê. São contra Freud, pois sexualismo, escreve ele. A realidade não é sexual (p. 42). Outras passagens: Civilização sem falo? (p. 30) ou E com tudo isso não terei visto o pipiu de um único chinês. Ora, o que se conhece de um povo, se não se conhece seu sexo? (p. 122). Pipiu? Pois é. A frase original é a seguinte: Et avec tout ça, je n'aurai pas vu le kiki d'un seul Chinois. Or que connaître d'un peuple, si on ne connaît pas son sexe?.
Gostei de todos os últimos posts, principalmente da série Atlas. Paula
ResponderExcluirObrigado, Paula. Apareça sempre.
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